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Regina Navarro Lins

Como o telefone e o automóvel mudaram as relações amorosas

Universa

07/05/2020 04h00

Ilustração: Caio Borges/UOL

 

No início do século 20, o telefone e o automóvel provocaram grandes mudanças. Mas como sempre ocorre com qualquer novidade, os conservadores reagiram. Nos Estados Unidos, B.S. Steadwell, da Federação Mundial da Pureza se indignou, a partir de 1913, com o telefone, que foi visto como algo indecente.

Outros alertaram para os perigos da voz de um homem no ouvido das moças. E.S.Turner em sua "História da Sedução" escreve: "Uma jovem na cama pode ouvir a voz de seu bem-amado, junto ao travesseiro, com um tremor voluptuoso, que seria considerado bem indecente na época vitoriana. O homem pode muito bem estar em uma cabine telefônica, mas sua voz será suficiente para levar sua imagem para aquele travesseiro".

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O automóvel é visto como muito mais perigoso. Desde 1902, os anúncios diziam "Para se divertir é preciso uma namorada e um carro". Nos anos 20 um carro era "um pecado sobre quatro rodas", o meio mais simples de escapar dos olhares e da pressão social. Sexo e carro estão definitivamente ligados no imaginário americano.

A partir da década de 1920, com o advento do telefone e do automóvel, uma revolução técnica do namoro se tornou possível. Ela se baseou na invenção espontânea do encontro marcado: foi esse o novo mecanismo mais expressivo de seleção de companhia, durante muito tempo.

Em lugar do encontro na igreja, da conversa preliminar com o pai, e das tardes muito bem vigiadas na sala de visitas da família, a juventude da época encontra-se em recepções, marca encontros pelo telefone, e sai a passeio a sós, de carro, para passar suas noites no cinema, em salões de baile e em estradas afastadas.

"Contudo, os dispositivos mecânicos, embora essenciais para a efetivação dos novos padrões não os criaram, foram absorvidos por eles, porque eram profundamente necessários. A sociedade elaborou o novo processo porque foi obrigada a isso; a juventude exigiu, com urgência, um novo recurso para se desenvolver e se transformar em pessoas casadouras através da experiência social, e também através de uma exposição nova, mais ampla, a possíveis companheiros, a fim de tornar menos arriscado o processo de se apaixonar.", diz o historiador Morton Hunt.

Até 1945, o objetivo do encontro era sair com o maior número possível de pessoas: quanto mais requisitada a pessoa, tanto melhor. Para o historiador inglês Theodore Zeldin, o "encontro" parecia ser o método democrático de encontrar a confiança própria: era uma espécie de voto, uma eleição perpétua. Em vez de se preocupar com um amor ilusório, os moços provavam um ao outro que eram muito populares conforme o desempenho na competição.

Além disso, o "encontro" libertou os jovens da tutela dos pais, já que envolvia a saída para lugares de divertimento público, escapando assim à supervisão direta no lar. Era importante que houvesse uma série de tentativas de escolhas para poder optar por uma delas.

Zeldin pergunta até que ponto seria privilégio masculino tomar a iniciativa, quando uma mulher no colégio convidava um homem para dançar sábado à noite, "e ele a interrompia no meio da frase afastando-s?". As mulheres tinham o privilégio de decidir a quem aceitar e quem pretendiam colocar na agenda. Na Universidade de Michigan, nos EUA, as estudantes classificavam os homens de acordo com a sua estimativa nos encontros: "A – suave; B – no ponto; C – sem lenço nem documento; D – meio estúpido; E – fantasma."

Entretanto, as críticas feitas ao encontro marcado deixavam claro o medo de que a geração mais nova estivesse se transformando em sexualmente descontrolada. Acredito ser importante conhecermos como as pessoas pensavam e viviam. Isso ajuda a perceber que as relações amorosas poderão ser totalmente diferentes daqui a algum tempo.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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