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Regina Navarro Lins

Cultura brasileira estimula a culpa da menina quando o desejo desperta

Universa

07/12/2019 04h00

Ilustração: Caio Borges


O rapper americano T.I. causou polêmica ao anunciar que leva a filha, uma vez por ano, ao ginecologista para "verificar seu hímen", e que o médico lhe entrega o resultado rapidamente. A deputada democrata do Estado de Nova York, Michaelle Solages, diz estar pressionando pelo projeto de lei para erradicar a prática. Assim, seria proibida a verificação se o hímen de uma mulher foi rompido a fim de determinar se ela teve relações sexuais.

Em 2017, em São Paulo, um pai que espancou a filha de 13 anos com um fio elétrico após descobrir que a adolescente tinha perdido a virgindade com o namorado foi inocentado. Para o juiz o progenitor quis apenas corrigir a garota. Os golpes deferidos com o cabo de uma TV geraram oito lesões de até 22 centímetros nas costas da vítima.

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A Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo e uma das maiores ativistas de causas femininas, Gabriela Manssur vê como retrocesso a atitude do juiz Leandro Jorge e defende que a sentença favorável ao agressor corrobora com a ideia inaceitável de culpabilização da vítima.

Mas a violência pela ausência da virgindade da mulher tem uma história. Com o sistema patriarcal, surgido há cinco mil anos, a sexualidade feminina passou a ser controlada para garantir a paternidade, além do fato de que uma virgem era uma mercadoria valiosa. Recatada, daria ao homem filhos legítimos que lhe assegurariam a futura mão de obra.

Um homem que fizesse sexo com uma moça solteira e virgem, se descoberto, deveria ressarcir o pai da moça em dinheiro. Quando havia a exigência legal de que ele desposasse a moça, o único objetivo era proteger a economia masculina. A jovem se tornou mercadoria sem valor e não seria justo sobrecarregar o pai com ela, e o homem que causou a perda deveria adquiri-la.

Não há dúvida de que os preconceitos diminuíram bastante e o número de moças que chegam virgens ao casamento é cada vez menor. Mas a expectativa do prazer continua a ser mais complicada para as moças do que para os rapazes. A nossa cultura estimula a culpa da menina quando percebe o despertar de seus desejos sexuais.

A repressão é tão grande, embora muitas vezes sutil, que elas se tornam amedrontadas e inseguras. São tantos os conselhos e advertências quanto aos perigos que podem estar envolvidos, que em raros casos o sexo é vivido com tranquilidade e prazer.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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