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Regina Navarro Lins

O amor materno é inerente às mulheres?

Universa

15/02/2018 04h00

Cena do filme "Sem Amor"

No filme russo "Sem Amor", concorrente ao Oscar de melhor filme estrangeiro, o menino Alyosha, de 12 anos, não é amado pelos pais. Eles estão se separando — cada um já com novo relacionamento — e o filho ouve a discussão em que nenhum dos dois quer ficar com ele. O filme é ousado ao mostrar uma mãe que não nutre nenhum sentimento amoroso pelo filho.

Afinal, desejar ser mãe é da natureza da mulher ou um modelo que assimilamos? A forma como as mães se relacionavam com os filhos, nos séculos 17 e 18, deixa claro que não somente o desejo de ter filhos mas também o amor materno não são inerentes às mulheres. É um sentimento que pode ou não se desenvolver, dependendo dos interesses sócio econômicos de um grupo.

Naquele período, a amamentação passou a ser considerada ridícula e repugnante e não era considerado digno de uma mulher amamentar seu próprio filho. Só para se ter uma ideia, das 20 mil crianças nascidas em Paris, em 1780, menos de mil foram amamentadas pelas mães. Todas as outras foram morar com amas de leite.

A criança era um empecilho para a mãe, já que era muito deselegante cuidar de uma criança. Muitas vezes os pais a entregavam imediatamente à ama, sendo comum organizarem uma festa para comemorar o nascimento, mesmo sem a criança estar na casa.

É evidente que o sentimento de amor materno sempre existiu, não em todas as mulheres, mas em todas as épocas e lugares. A exaltação desse amor como valor natural e favorável à espécie e à sociedade é que constitui novidade.

Sem dúvida, as crianças lucraram muito, mas é importante assinalar que a construção do amor materno não foi motivada por uma questão humanitária, para minorar o sofrimento a que eram submetidas. A principal razão foi a necessidade de mais gente para fazer frente à nova ordem econômica que surgia nas sociedades industrializadas.

A mãe que hoje conhecemos, amorosa, dedicada e culpada, começou a ser fabricada no final do século 18. Houve uma revolução das mentalidades onde a imagem da mãe, seu papel e sua importância modificaram-se radicalmente. Passados 200 anos, ninguém questiona o amor materno. Acredita-se que é um instinto, um amor espontâneo da mãe pelo filho. Não se fala, porém, da árdua luta de mais de cem anos para que todos absorvessem essa nova ideologia.

Atualmente, a rejeição aos modelos tradicionais de comportamento permite que se percebam com mais clareza os próprios desejos. Ter ou não ter filhos passa a ser uma opção individual, longe da cobrança de corresponder às expectativas criadas para a mulher .

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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