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Regina Navarro Lins

A ignorância leva ao absurdo de associar o corpo nu à pedofilia

Regina Navarro Lins

04/10/2017 17h42

Cena de "La Bête", do performer e coreógrafo brasileiro Wagner Schwartz
Foto: Divulgação

Deputados federais quase se agrediram fisicamente no plenário da Câmara ao discutir sobre a exposição "Brasil em Multiplicação" no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Dois deles chegaram a defender "porrada" e tortura em colegas e no coreógrafo Wagner Schwartz, que realizou o trabalho na abertura da exposição. Nela, seu corpo pôde ser tocado pelo público, em uma interpretação da obra "Bicho", de Lygia Clark. Uma menina foi incentivada pela mãe a interagir com o artista. Agachada, ela se movimentou ao lado dele e tocou sua perna e sua mão.

Censura ao nu tem história. Na Idade Média, a Igreja ataca o hábito do banho, considerando que qualquer cuidado com o corpo seria incentivo ao pecado. Há relatos de freiras que ficaram mais de 50 anos sem tomar banho. Os piolhos eram chamados de pérolas de Deus, e estar sempre coberto por eles era marca inconfundível de santidade.

No século 17, o médico francês Nicolas Venette (1633-1698) afirma que a simples visão de um pênis enlouquece a mulher de desejo. De onde ele tirou essa ideia, ninguém sabe….Isso aconteceu há mais de 300 anos, mas a ideia de que o corpo humano nu é obsceno e perigoso parece não ter sido totalmente abandonada. Estamos no meio de um processo de profunda mudança de mentalidade em relação a nudez, o que não ocorre com todos ao mesmo tempo. Encontramos formas de pensar e agir bem diferentes entre pessoas de um mesmo grupo social.

E entre países também. O Museu d'Orsay e o Museu da Orangerie, em Paris, lançaram uma campanha para atrair famílias. Um dos cartazes da campanha utiliza a mensagem: "Tragam seus filhos para ver gente nua".

São utilizados, no total, nove cartazes – exibidos em ruas, paradas de ônibus e metrôs de Paris – com obras célebres dos dois museus aliadas a frases, sempre direcionadas a pais e filhos. Sucesso nas redes sociais, a peça que mais teve êxito utiliza a tela "Femme Nue Couchée" (Mulher Nua Deitada), criada em 1907, pelo pintor francês Auguste Renoir.

A campanha foi muito bem recebida pelo público. Não houve nenhuma polêmica. Amélie Hardivillier, diretora de comunicação dos museus, surpreendeu-se com os episódios do fechamento da exposição "Queermuseu", no Santander Cultural de Porto Alegre, e a polêmica que gerou a performance "La Bête", no Museu de Arte Moderna de São Paulo. " É muito grave essa situação. Fico triste com essa notícia", lamenta.

Alguém precisa explicar a ela que no Brasil o atraso e a ignorância levam ao absurdo de associar corpo nu, que é humano e natural, à pedofilia, que é crime.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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