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Regina Navarro Lins

Na maioria dos casamentos observa-se o conflito entre a diminuição do desejo e o aumento da ternura

Regina Navarro Lins

18/10/2016 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

A grande maioria das pessoas que respondeu à enquete da semana acredita que homens e mulheres casados fazem menos sexo. E não é sem motivo.

Assim como na nossa cultura acredita-se que só é possível estar bem vivendo uma relação amorosa, o casamento por amor, a partir do século 20, passou a ser sinônimo de felicidade e, por conseguinte, uma meta a ser alcançada por todos.

A ideia de felicidade conjugal depende da expectativa que se tem do casamento. Algumas décadas atrás, uma mulher se considerava feliz no casamento se seu marido fosse bom chefe de família, não deixasse faltar nada em casa e fizesse todos se sentirem protegidos.

Para o homem, a boa esposa seria aquela que cuidasse bem da casa e dos filhos, não deixasse nunca faltar a camisa bem lavada e passada e, mais que tudo, mantivesse sua sexualidade contida. Um casal perfeito: a mulher respeitável e o homem provedor.

Hoje, os anseios são bem diferentes e as expectativas em relação ao casamento tornaram-se muito mais difíceis, até mesmo impossíveis de serem satisfeitas.

As pessoas escolhem seus parceiros por amor e esperam que esse amor e o desejo sexual que o acompanha sejam recíprocos e para a vida toda. Aí, deparamo-nos com uma questão crucial.

O amor até que a morte nos separe se torna cada vez mais inviável. Quando a média de vida era menor, o casamento durava apenas alguns anos.

Com o crescente aumento da longevidade, até que a morte nos separe, embora ainda idealizado pela maioria, passou a significar longos anos de convivência, muitas vezes difíceis de suportar.

A entrada do amor romântico fez do casamento o meio para as pessoas realizarem suas necessidades afetivas. Idealiza-se o par amoroso e, para manter essa idealização, não se medem esforços, o que acaba sobrecarregando a relação entre os cônjuges.

Imagina-se que no casamento se alcançará uma complementação total, que as duas pessoas se transformarão numa só, que nada mais irá lhes faltar e, para isso, fica implícito que cada um espera ter todas as suas necessidades pessoais satisfeitas pelo outro.

Numa relação estável é comum as pessoas se afastarem dos amigos e abrirem mão de atividades que anteriormente proporcionavam grande prazer. Um deve ser a única fonte de interesse do outro e, portanto, tudo o mais é dispensável.

O ideal do par amoroso que está sempre junto, que se completa em tudo, onde um é a única fonte de gratificação do outro, atenua por um tempo o temor do desamparo.

Mas, para que essa situação seja mantida, são feitas muitas concessões e a consequência inevitável é um acúmulo de frustrações que torna a relação no casamento sufocante.

A filósofa francesa Elisabeth Badinter diz que o casal aniquila a pessoa humana, numa confusão alienante: "o 'eu' desaparece, absorvido, afogado no 'nós'. Porque o casal não permite essa parte de solidão indispensável à existência do indivíduo. Mesmo ausente, o outro está aí, ponto de referência, traço incômodo na casa, pesado pela espera que suscita".

O esforço para corresponder às expectativas depositadas no casamento pode superar o limite da capacidade de conceder e fazer a pessoa optar pelo fim da relação.

Em outros casos, o tédio e a monotonia da vida a dois, em função da dependência emocional que se tem do outro, pode levar a uma atitude de resignação e acomodação.

Na maioria dos casamentos observa-se o conflito entre a diminuição do desejo sexual e o aumento da ternura e companheirismo entre os parceiros.

Não é raro encontrarmos casais que, apesar de viverem juntos, têm na ausência do desejo sexual a tônica da relação.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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