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Regina Navarro Lins

Por que a maioria deseja se casar

Regina Navarro Lins

01/12/2015 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que respondeu à enquete acredita que quase todos desejam se casar.

Um bom exemplo é o caso de Luiza. Ela é uma arquiteta de 34 anos, separada há seis. Adora seu trabalho, tem muitos amigos e casos amorosos eventuais. Um dia chegou ao meu consultório e desabafou: "Quero alguém que me complete! Não tenho pensado em outra coisa. Cansei de ficar trocando de namorado, quero encontrar a pessoa certa para me casar e ter uma vidinha bem careta."

Desde crianças somos levados a acreditar no casamento, como única forma de realização afetiva. Passamos a vida esperando o momento de encontrar "a pessoa certa", para, a partir daí, vivermos felizes para sempre.

Luiza quer encontrar alguém que a complete. Essa ideia de que ninguém é inteiro, de que falta um pedaço em cada um de nós é comum, mas bastante limitadora. Vive-se numa procura contínua do parceiro amoroso, e as frustrações daí decorrentes são muitas e desnecessárias.

A complementação desejada não passa de uma ilusão, na verdade, ninguém completa ninguém. Nossas dificuldades e mesmo nosso sentimento de desamparo não podem ser resolvidos através do outro, e sim atenuados dentro de nós mesmos.

Entretanto, o anseio amoroso de todo ser humano parece ser o de recuperar a sensação de harmonia vivida antes do nascimento. O útero da mãe é o único lugar do mundo onde podemos obter a satisfação imediata de todas as nossas necessidades.

Aí desconhecemos a fome, a sede e a falta de aconchego. Depois que nascemos, precisamos respirar com nossos próprios pulmões, reclamar da fralda molhada, nos desesperamos com a cólica. Somos tomados por um profundo sentimento de falta. Uma angustiante sensação de desamparo nos invade. Sem retorno ao estágio anterior, isso nos acompanhará por toda a vida.

Muito cedo, somos introduzidos num mundo com padrões de comportamento claramente estabelecidos. Inicia-se assim nosso processo de socialização. Os desejos espontâneos são gradualmente substituídos pelos que aprendemos a desejar. Nos comportamos e agimos de acordo com a expectativa social. A partir daí todos se tornam parecidos. As singularidades não mais existem.

A criança dirige intensamente para a mãe sua busca de aconchego. As relações amorosas do adulto funcionam mal porque a maioria tende a reeditar inconscientemente com o parceiro a relação típica da infância.

E isso fica claro na forma como se vive o amor, só se aceitando como natural se for um convívio possessivo e exclusivo com uma única pessoa. O condicionamento cultural impõe como única forma de atenuar o desamparo uma relação amorosa fixa e estável: o casamento.

Assim, todos desejam se casar. Ninguém questiona se é mesmo a única forma de realização afetiva. O casal constrói uma tela de proteção contra o mundo e tenta reaver o paraíso simbiótico que tinha no útero da mãe. Ilusão que dura pouco, incapaz de se sustentar na realidade do cotidiano.

Existe uma resistência geral em admitir que o amor pode ser vivido de forma intensa e profunda fora de uma relação entre duas pessoas. O amor romântico alimenta a ideia de que é possível a fusão entre duas pessoas, ou seja, de que elas podem se transformar numa só — da mesma forma que vivemos com a mãe antes de nascer.

Aprendemos a acreditar que amor é uma troca complementar. A pessoa amada, por possuir o que não existe em nós, vai suprir nossas carências, não deixando que mais nada nos falte.

Assim, amor, tesão, gratidão e dependência se associam de forma a inviabilizar uma relação afetiva realmente satisfatória. Além disso, é quase impossível haver respeito entre duas pessoas, quando o amor que rege a relação é do tipo romântico.

A fusão com o outro torna-o tão indispensável para a nossa sobrevivência emocional, que o controle e o cerceamento da liberdade faz parte da vida de um casal.

As pessoas que já conseguiram se livrar da ilusão do amor romântico não têm medo de se perceberem sozinhas. Sabem que não podem resolver suas necessidades através do outro nem precisam dele para se sentirem completas. E o mais importante: não têm motivo para abrir mão da sua individualidade.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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