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Regina Navarro Lins

O homem submisso

Regina Navarro Lins

29/09/2015 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que responderam à enquete acredita que há muitos homens submissos às suas mulheres. Para ilustrar essa submissão, lembrei-me do caso de Décio, um arquiteto de 40 anos, casado, pai de duas filhas.

Ele viveu até os 25 anos sob a proteção da mãe, mulher extremamente autoritária. Décio tinha perfeita consciência da sua condição, mas assim mesmo a aceitava e ia conduzindo a vida em direção a uma sonhada libertação: o casamento. Era um rapaz muito bonito, alegre e estudioso. Casou-se assim que concluiu o curso, não com uma das várias garotas que o assediavam na faculdade, mas com uma moça pouco mais velha que ele, e de poucos atributos físicos. Cinira era escriturária de um banco, sem muitas perspectivas profissionais. "O que ele viu nela?" Era o que todos perguntavam.

Quando se tornou mãe, Cinira se revelou por inteiro. Deixou o trabalho e dedicou-se à febril atividade de não fazer nada. Era preciso muito tempo livre para dirigir a vida do marido, e o fazia com mão de ferro. Décio encaixou-se perfeitamente à nova forma de tirania imposta pela mulher. Esse era o verdadeiro e insidioso talento de Cinira, oculto por tanto tempo aos olhos de todos, mas não ao inconsciente de Décio, que logo vislumbrou uma substituta para a mãe, com a vantagem de acumular também a condição de sua mulher.

Assim, pôde desempenhar o papel social que lhe cabia como marido, sem desfazer a relação de domínio à qual estava ligado desde os tempos da mãe. A situação cristalizou-se a ponto de Décio não ter mais controle sobre seus gostos e vontades. Quando amigos convidaram o casal para uma festa, Décio, que ficara animado, fez suas as palavras de Cinira: "Não vai dar, "estamos" muito cansados."

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É maior do que se imagina a quantidade de maridos totalmente dependentes e comandados pela mulher dentro de casa, obedecendo a tudo sem titubear. Mas talvez possamos encontrar uma explicação para isso na diferença de educação entre os sexos.

Na infância, meninos e meninas dependem da mãe, necessitando do seu cuidado físico e emocional. Mas a sociedade patriarcal exige que o menino rompa muito cedo com essa dependência, se afastando da mãe numa época em que ainda precisa muito dela.

E para corresponder ao papel masculino que todos esperam, ele passa a vida inteira se esforçando para mostrar que é macho. A questão é que perseguir o ideal masculino gera conflitos e tensões, tornando imprescindível usar uma máscara de onipotência e independência absoluta.

Na verdade, o vínculo do menino com a mãe é intenso, mas ele é cobrado a rompê-lo para que se desenvolva como homem. Permanecer muito perto da mãe só é permitido às meninas. Para os meninos isso significa ser maricas ou filhinho da mamãe. Os amigos e os próprios pais não perdem uma oportunidade de deboche ou piada a qualquer manifestação de necessidade da mãe.

Desde cedo, então, o menino aprende que deve rejeitar uma parte de si. O desejo de ser cuidado, acalentado, dependente, é recalcado. Sentimentos de ternura, generosidade, preocupação com os outros, são reprimidos para melhor diferencia-lo da mãe.

Na vida adulta os homens escondem a necessidade que têm das mulheres mostrando-se auto-suficientes e desprezando-as. Convencem-se de que elas é que precisam deles, da sua proteção. Negando suas próprias necessidades de dependência sentem-se mais fortes e poderosos.

Poucas vezes o homem tem oportunidade de relaxar, de baixar a guarda. Ficar doente, por exemplo, mesmo sem gravidade, é um ótimo pretexto. Entregam-se despreocupados ao saudoso cuidado materno, agora exercido geralmente pela namorada ou esposa. Muitas vezes solicitam atenção integral, sem se importar em ser tratados como bebês.

De qualquer forma, ainda persiste a ideia de que o homem evita relacionamentos íntimos, foge de compromissos, principalmente do casamento. Mas na verdade, quando se sente atraído por uma mulher, dois sentimentos contraditórios o assaltam.

Por um lado, o desejo de intimidade, de aprofundar a relação. Por outro, o temor de se ver diante do seu próprio desamparo e do desejo de ser cuidado por uma mulher. É curioso observar que muitos homens que resistem ao casamento, optando por uma vida livre, em determinado momento casam-se e tornam-se submissos, dependentes e dominados pela mulher.

O homem machão e o homem dependente não são autônomos. Autonomia implica não se submeter às exigências sociais, de modo a rejeitar características da própria personalidade consideradas femininas pela nossa cultura.

O homem pode ser forte, decidido e corajoso, mas também frágil, indeciso e muitas vezes sentir medo, dependendo do momento e das circunstâncias. Pode falar dos seus sentimentos, ficar triste e até chorar.

Entretanto, o homem autônomo só começa a ter possibilidade de surgir nesse momento, em que o sistema patriarcal se enfraquece e a igualdade entre os sexos torna possível uma sociedade de parceria entre homens e mulheres.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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