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Regina Navarro Lins

Paixão e sofrimento

Regina Navarro Lins

31/03/2015 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae


 

Comentando a Pergunta da Semana

A grande maioria das pessoas que responderam à enquete da semana já se apaixonou totalmente.

Você conhece alguém que nunca se apaixonou? É raro. Nós todos aprendemos, desde cedo, a desejar viver uma paixão. Mas é um sentimento tão forte e invasivo, que pode levar a pessoa a ignorar suas obrigações cotidianas, além de induzi-la a fazer sacrifícios e a tomar decisões radicais.

Por essa razão, e por ter no ardor sexual um forte componente, a paixão sempre foi considerada perigosa do ponto de vista da ordem e do dever social. Pela História, encontramos casos de grande paixão e não menor sofrimento.

No ano 46 a.C, o poeta romano Catulo, tinha 25 anos e se apaixonou perdidamente por Clódia, que era casada e tinha oito anos mais que ele.
O poeta não precisou esperar muito tempo por um encontro com ela.

Álio, seu amigo, permitiu-lhe o uso de sua casa, e lá ele ficou à espera, ansioso, até que Clódia foi encontrá-lo, sozinha – uma "deusa branca", que demorou durante um momento infinito à soleira da porta, antes de voar para os braços dele.

Seguiu-se um período feliz, durante o qual tudo correu bem. Os dois se encontraram várias vezes seguidas, e Catulo escreveu poemas exultantes a respeito desses encontros amorosos.

Catulo ficou sabendo depressa que um amor desse tipo não é coisa tão simples. Clódia era vaidosa e volúvel, e não via razão alguma para não se relacionar com outros homens. O jovem deve tê-la aborrecido quando protestava contra isso.

Clódia ficou viúva e, daí por diante, seus casos de amor não foram mais raros nem discretos. Catulo ficou abalado quando ela aceitou como amante um dos seus amigos mais íntimos, Caelius Rufus, e sofreu quando ela começou indiscriminadamente a multiplicar os seus amantes.

Bem que ele lutou consigo mesmo, tentando adotar o ponto de vista dos romanos sofisticados: "Embora ela não se sinta contente apenas comigo, suportarei as raras e discretas aventuras da minha dama, ao invés de parecer um abelhudo importuno."

Clódia passou a promover festas em sua casa, tão abertamente como qualquer prostituta. Embriagada, mantinha relações sexuais com qualquer convidado que lhe apetecesse. Por fim, ela passou a vaguear pelas ruas, à noite, aceitando estranhos na escuridão dos becos.

Catulo, em fúria infantil, ameaçou difamá-la e desenhar falos vermelhos nas paredes externas da casa dela, como se fosse um bordel. Ele nunca chegou ao ponto de fazer isso. Mas o pior é que não pôde deixar de amá-la. Catulo nunca tentou explicar como poderia amar uma mulher com esse comportamento, mas tudo indica, que a devassidão e o deboche dela eram a causa desse amor.

O desejo e o sofrimento provocados pela paixão fazem com que todos se sintam vivos, proporcionando um frisson, e muitas surpresas. Necessita-se do outro, não como ele é no real, mas como instrumento que torna possível viver uma paixão ardente. Somos envolvidos por um sentimento tão intenso que por ele ansiamos, apesar de nos fazer sofrer. Contudo, a maioria reconhece que a paixão acaba logo.

Mesmo durando pouco, a paixão sempre foi sentida como uma doença da alma que, além de limitar a liberdade individual, pode levar ao assassinato ou ao suicídio. Mas a paixão está em via de extinção. As mentalidades estão mudando e a situação hoje é outra.

A filósofa francesa Elisabeth Badinter acredita que agora homens e mulheres sonham com outra coisa diferente dos dilaceramentos. Se as promessas de sofrimento devem vencer os prazeres, preferimos nos desligar. Além disso, a permissividade tirou da paixão seu motor mais poderoso: a proibição.

"Ao admitir que o coração não está mais fora da lei, mas acima dela, pregou-se uma peça no desejo. Então, mesmo que ainda quiséssemos, não poderíamos mais. As condições da paixão não estão mais reunidas, tanto do ponto de vista social quanto psicológico.", diz Badinter. Nem todos concordam com esta afirmação. E você…o que você pensa disso?

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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