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Regina Navarro Lins

Para além do casal

Regina Navarro Lins

21/03/2015 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso da internauta que deseja uma relação sem exigência de exclusividade, mas sua namorada é possessiva e ciumenta. Não sabe como pode fazê-la aceitar essa forma de viver sem ficar insegura.

Fala-se de amor como se ele nunca mudasse. Pela História, os diferentes elementos de que se compõe o amor foram isolados muitas vezes e recompostos para se adaptarem.

"Os humanos sempre estiveram muito menos à mercê da paixão do que faz acreditar a lenda. Eles são capazes de introduzir novos significados no amor, sem parar, e ficar surpresos como quem acabou de transformar trigo em pão, pudim de frutas em mil-folhas.", diz o historiador inglês Theodore Zeldin.

Foram inventados vários tipos de conversa amorosa, e cada uma delas foi dando uma forma diferente aos nossos relacionamentos. Mas todos acabaram se transformando em linguagens que não nos servem mais. Se as escolhas feitas no passado não são irreversíveis, como será o relacionamento amoroso e sexual daqui a algumas décadas?

Durante muitos séculos, o amor romântico não pôde fazer parte do casamento; era considerado uma ameaça à estabilidade do indivíduo e da sociedade. O casamento era visto como algo muito sério para que dele fizesse parte o amor.

O amor romântico não é construído na relação com a pessoa real, mas sobre a imagem que se faz dela, trazendo a ilusão de amor verdadeiro. No Ocidente, todos aprendem a desejá-lo, por propor a fusão das almas dos amantes, o que é extremamente sedutor. Ele acena com a perspectiva enganosa de ser possível se completar na relação com a pessoa amada.

Como as fantasias do amor romântico se baseiam na dependência entre os amantes, elas não conseguem mais satisfazer os anseios daqueles que pretendem se relacionar com seus parceiros como eles são e viver de forma mais independente.

Muitos gostariam de inventar uma nova arte de amar, e pela História fica claro que existem precedentes, portanto, é possível fazê-lo. Acredito que o amor que conhecemos começa a sair de cena, levando com ele a idealização do par romântico, com a ideia dos dois se transformarem num só, e consequentemente a ideia de exclusividade.

Está em declínio a ilusão de que se possa resolver a própria existência através do outro. Ninguém mais aceitará abrir mão de sua individualidade, nem mesmo em nome do mais belo sonho de amor. O escritor e psicoterapeuta Roberto Freire considera que o verdadeiro ato de amor é o que garante a quem amamos a liberdade de amar, além e apesar de nós e de nosso amor.

O futuro do sexo exigirá mais capacidade de nos livrarmos do passado do que de nos acostumarmos com o novo presente. Afinal, seremos mais livres para dar vazão a nossas fantasias e teremos plenas possibilidades de viver sem culpas.

Num futuro próximo, é bem possível que as pessoas venham a ter relações estáveis com várias pessoas ao mesmo tempo, escolhendo-os pelas afinidades. Talvez uma para ir ao cinema e teatro, outra para conversar, outra para viajar, a parceria especial para o sexo, e assim por diante. A ideia de que um parceiro único deva satisfazer todos os aspectos da nossa vida tem grandes chances de se tornar coisa do passado.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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