Topo

Regina Navarro Lins

Ciúme que atormenta

Regina Navarro Lins

28/02/2015 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso do internauta que está em crise no casamento devido ao ciúme e muitas desconfianças da sua esposa. Isso tem lhe feito olhar as mulheres de forma diferente. Sua dúvida é se seu casamento vai resistir a essa vontade intensa que ele sente de voltar a conquistar outras mulheres.

A maioria das pessoas resolve bem as questões práticas da vida. Conseguem trabalho, alugam apartamento, brigam com o síndico, compram carro, criam filhos, mas não conseguem ficar sozinhas. Só estão bem ao lado da pessoa amada.

Reeditando a mesma forma primária de vínculo com a mãe, o antigo medo infantil de ser abandonado reaparece. Se o amor é a solução de todos os problemas e se o convívio amoroso é a única forma de atenuar o desamparo, a pessoa amada se torna imprescindível. Não se pode correr o risco de perdê-la. O controle, a possessividade e o ciúme passam, então, a fazer parte do amor.

Alguns consideram o ciúme universal, inato. Outros, entre os quais me incluo, acreditam que sua origem é cultural, mas é tão valorizado, há tanto tempo, que passou a ser visto como parte da natureza humana. O ciúme não está ligado ao tamanho da paixão, do amor ou do desejo. Acontece mesmo quando não se ama a pessoa.

A seguir algumas manifestações de ciúme que me foram relatadas:

"Num restaurante, meu namorado olhou para uma garota que passava (mais precisamente para a sua bunda). Como percebi e estava meia alta de vinho, levantei-me e joguei o resto do vinho de minha taça em suas pernas…"

"Quando vi minha namorada ser olhada várias vezes por outro cara, gritei, esbravejei, xinguei e fui embora."

"Meu namorado estava comigo numa festa e depois chegou sua ex-namorada. Fiquei super na minha e segura. Porém, em determinada hora o vi conversando animadamente com ela. Imaginei que estavam combinando um encontro. Quebrei o maior "pau" com ele. Pela sua reação, e pelo seu modo de ser, vi que não era nada daquilo, fiquei muito sem graça; perdi a espontaneidade. E, como 'energia' todo mundo sente, a ex dele passou a ser a segura da festa."

"Foi durante uma festa de casamento. Percebi que o garçom, que estava nos servindo, olhava de maneira indiscreta e lasciva para a minha namorada. Fiz uma cena que jamais imaginei que faria. Hoje tento me controlar mais. É uma situação terrível e constrangedora, ao mesmo tempo que é quase incontrolável."

"Estávamos em um baile e uma moça bêbada veio pedir paro o meu noivo dobrar a manga da blusa dela e começou a cercá-lo num canto da parede. Ele ficou super sem graça e eu enfiei as unhas no braço dela e gritei: "Larga"… Hoje me arrependo, tenho até vergonha disso, mas na hora é incontrolável!"

"Acompanhei minha mulher ao salão de beleza, aliás quase sempre vamos juntos. Ela estava na minha frente, e uma das amigas teceu um comentário sobre como determinado artista era gostoso, que tinha pernas grossas, etc… A minha mulher entrou no papo com o mesmo tipo comentário. Eu não gostei, pois sempre sou bastante discreto. Fiz ela ir embora comigo na mesma hora."

Por ciúme se aceitam os mais variados tipos de violência contra o outro, sempre justificados em nome do amor, claro. Entretanto, penso que qualquer atitude ciumenta é um desrespeito à liberdade do outro.

A questão é que não é raro encontrarmos pessoas que até se sentem lisonjeadas com qualquer manifestação de ciúme do outro e alimentam essa atitude por confundi-la com prova de amor. Nesses casos, o desejo de uma vida livre fica em segundo plano, sufocado pelas inseguranças pessoais que privilegiam esse mecanismo de controle.

Como são poucos os que se sentem autônomos, observa-se uma busca generalizada de vínculos amorosos que permitam aprisionar o parceiro, mesmo que seja à custa da própria limitação. A questão do ciúme está ligada à imagem que se faz de si próprio. Não sendo boa a impressão, há sempre o temor de ser abandonado pela pessoa amada ou trocado por outro.

Ainda estamos só começando a aprender a evitar o ciúme. O historiador inglês Theodore Zeldin, considera o ciúme o corpo estranho que faz ameaça constante ao sexo como criador do amor. Para ele, foi o desejo de possuir — inevitável, talvez, enquanto a propriedade dominou todas as relações — que tornou os amantes tão inseguros, com medo da perda, e se recusando em aceitar que um amor tem de ser sentido outra vez todos os dias.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

Blog Regina Navarro