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Regina Navarro Lins

Nem masculino nem feminino

Regina Navarro Lins

25/11/2014 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que responderam à enquete da semana acredita que as diferenças entre masculino e feminino fazem parte da natureza. Concordo que a diferença entre homens e mulheres diz respeito aos aspectos anatômicos e fisiológicos. As diferenças de comportamento são aprendidos em cada cultura ou grupo social.

Certa vez decidi saber o que as pessoas pensam sobre essas diferenças. Lancei então a seguinte pergunta para mais de cem pessoas, homens e mulheres com idades variando de 20 a 55 anos. "A mulher pode ser feminina e ao mesmo tempo ser autônoma?" As respostas foram instantâneas e veementes: claro, lógico, óbvio.

Em seguida coloquei a segunda questão: O que é uma mulher feminina? O comportamento de todos foi semelhante. Silêncio por algum tempo, como se tivessem sido pegos de surpresa. Hesitantes e confusas, as pessoas tentavam explicar.

Reunindo todas as respostas, surgiu o perfil da mulher feminina: delicada, frágil, sensível, cheirosa, dependente, pouco competitiva, se emociona à toa, chora com facilidade, indecisa, pouco ousada, recatada.

Concluí, então, que a mulher considerada feminina é uma mulher estereotipada. Por isso, uma mulher não pode ser autônoma e feminina ao mesmo tempo. Autonomia implica ser você mesma, sem negar ou repudiar aspectos de sua personalidade para se submeter às exigências sociais.

É incrível, mas Vinicius de Moraes, considerado o poeta que amava as mulheres, em Samba da Benção mostra a expectativa que se tem delas: "Uma mulher tem que ter qualquer coisa além de beleza, qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora, qualquer coisa que sente saudade; um molejo de amor machucado, uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor e ser só perdão."

Sem dúvida, na nossa cultura patriarcal, a mulher feminina renuncia a parte de si mesma, na tentativa de corresponder ao que dela se espera. O mesmo ocorre com o homem masculino. Suas características são, certamente, a força, o sucesso, a coragem, a ousadia, e tantas outras do gênero, sem esquecer, claro, aquela cobrança que atormenta todo menino: "Homem não chora." São todas metas inatingíveis para a maioria e os homens estão esgotados.

Mas de onde surgiu essa diferença tão profunda entre os sexos? É uma antiga e longa história. Quando o sistema patriarcal se estabeleceu entre nós, há cinco mil anos, dividiu a humanidade em duas partes— homens e mulheres— e colocou uma contra a outra. Determinou com clareza o que era masculino e feminino, subordinando ambos os sexos a esses conceitos.

E ao fazer isso, dividiu cada indivíduo contra si próprio, porque para corresponder ao ideal masculino ou feminino da nossa cultura, cada um tem que rejeitar uma parte de si, de alguma forma, se mutilando.

Tanto é assim, que a primeira coisa que se quer saber quando um casal vai ter um filho é o sexo da criança. Mesmo antes do nascimento o papel social que ela deverá desempenhar está claramente definido: masculino ou feminino.

Os padrões de comportamento são distintos e determinados para cada um dos sexos. Os meninos são presenteados com carrinhos, revólveres e bolas, enquanto as meninas recebem bonecas, panelinhas e mamadeiras. E isso é só o início.

A expectativa da sociedade é de que as pessoas cumpram seu papel sexual, que sofre variações de acordo com a época e o lugar. Até algumas décadas atrás, não se admitia que um homem usasse cabelo comprido e muito menos brinco. Eram coisas femininas. As mulheres, por sua vez, não sonhavam usar calças, nem dirigir automóveis. Era masculino.

Como eu disse anteriormente, a diferença entre os sexos é anatômica e fisiológica, o resto é produto de cada cultura ou grupo social. Tanto o homem como a mulher podem ser fortes e fracos, corajosos e medrosos, agressivos e dóceis, passivos e ativos, dependendo do momento e das características que predominam em cada um, independente do sexo.

Insistir em manter os conceitos de feminino e masculino é prejudicial a ambos os sexos por limitar as pessoas, aprisionando-as a estereótipos.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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