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Regina Navarro Lins

Quando o fetiche surpreende

Regina Navarro Lins

11/10/2014 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso da internauta cujo namorado lhe pede coisas estranhas no sexo, como não lavar suas calcinhas para que ele possa cheirá-las enquanto se masturba. Ela não sabe se continua aceitando esse tipo de comportamento.

Ao cheirar uma calcinha de mulher usada, transferindo para a peça de roupa o poder de satisfazer o desejo, o fetichista enaltece as suas qualidades materiais, sua textura, a maciez do tecido, seu estímulo tátil, visual e olfativo. O objeto adquire, além de sua função original, a capacidade de provocar prazer durante o ato sexual, nas preliminares ou ainda fora dela.

Ter preferência por uma parte do corpo da mulher ou se sentir grande atração vendo-a usando determinada peça de roupa é natural. A questão é que os homens fetichistas — praticamente não existem mulheres fetichistas — não se sentem atraídos pelo corpo da parceira como um todo; o interesse fica obsessivamente fixado em determinado aspecto ou então num objeto.

Qualquer coisa pode vir a ser um fetiche sexual. Durante as décadas de 50 a 70, o baby doll reinou absoluto, essa espécie de vestido íntimo, transparente e curtíssimo, alucinou gerações de cinéfilos, voyeurs e fetichistas. Alguns fetiches são menos comuns, como por unhas ou por preservativos usados. Há homens que não conseguem ter prazer sexual se não estiver com o seu fetiche. E às vezes, basta a contemplação deles para a obtenção do orgasmo.

A palavra fetiche aparece pela primeira vez como conceito erótico em 1887, citado por Alfred Binet, em seu ensaio "Le fetichisme dans l`amour". O fetiche seria então a qualidade que determinado objeto ou parte do corpo humano adquire, além de sua função original, provocando prazer durante o intercurso sexual. O sexólogo do século 19, Richard Von Krafft-Ebing alertava que o fetichismo se torna patologia quando o detalhe é preponderante.

Alguns fetichistas se preocupam mais com o material de que o fetiche é feito do que com a forma do objeto. Mais antigo dos materiais utilizados na vestimenta, o couro serve para a confecção de calçados, chicotes, aventais de ferreiro, jaquetas, celas, luvas e bolsas.

Apenas no século 19 o couro aparece pela primeira vez como elemento ligado ao fetiche. As jaquetas estão relacionadas aos motociclistas e cowboys. Marlon Brando, no filme O Selvagem elevou a jaqueta de couro ao ápice da iconografia marginal cult. O sadomasoquismo também adotou o couro preto, desde as décadas de 20 e 30, ao ponto do clichê.

Mas o que faz um homem se tornar um fetichista? Existem diversas explicações. O que não sei é se elas correspondem à realidade. Alguns dizem que o fetiche é exclusivo do sexo masculino, porque as mulheres, não tendo que conseguir ereção, não necessitam de fetiche.

No fetichista persistiria o temor infantil quanto ao sexo oposto. A ideia é de que, ao se sentir sem condições de manter relação sexual com uma mulher, ele a substituiria pelo fetiche. Portanto, garantiria a ereção graças à diminuição da ansiedade.

Outros afirmam que o fetiche tem origem na primeira infância, em que a criança com poucos meses atenuava a angústia da separação da mãe pela presença de um objeto, por exemplo, o ursinho de pelúcia, o travesseiro, o cobertor. Nesse caso, o adulto não teria aprendido a mudar o objeto de amor. Dizem também que o fetichista tem sentimento de culpa e de inferioridade sexual, portanto, se apega ao fetiche para ter certeza de que não vai falhar.

Quem não tem muita certeza do porquê do fetiche ser exclusivo do sexo masculino arrisca algumas hipóteses. Talvez seja porque desde pequenos os homens foram acostumados a tirar prazer do sexo, sendo sempre encorajados a experimentar. Assim, suas associações com sexo são mais amplas do que as das mulheres.

Além disso, eles teriam sido acostumados a pensar em sexo sem a presença da mulher. É comum se masturbarem enquanto olham imagens, e mais tarde seriam facilmente excitados por objetos inanimados. Esses autores alegam que a mulher, ao contrário, foi condicionada a associar sexo e amor. Questionam até se, com o aumento da liberação sexual da mulher, uma dose de fetichismo não entrará na sua vida.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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