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Regina Navarro Lins

Desejo de vingança

Regina Navarro Lins

07/10/2014 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando a Pergunta da Semana

Aproximadamente a metade das pessoas que responderam à enquete da semana já foi alvo de alguma vingança no amor. Isso não é raro acontecer. No consultório, há pouco tempo, ouvi o seguinte relato:

"Tenho 38 anos e sou separado há seis. Há dois meses comecei a namorar uma mulher, que inicialmente parecia ter tudo a ver comigo. Mas logo depois percebi que não gostava do seu jeito de ser e perdi o interesse por ela. Propus o término da relação. Só que ela não aceita. Diz que sou seu grande amor e jurou se vingar. Liga para os amigos falando mal de mim e apareceu na casa dos meus pais contando várias mentiras a meu respeito. O porteiro do meu prédio diz que já a viu rondando por aqui. Ela está complicando as coisas de forma bem desagradável."

As histórias de vingança geralmente retratam o efeito destrutivo que a fixação no "grande amor" pode ter. Alguém que investe todas as suas energias no relacionamento amoroso, e vê nele o único sentido da sua vida, talvez reaja com raiva e sede de vingança contra quem a abandona. Alguns voltam a agressão para si e caem numa profunda depressão.

Encontramos na mitologia grega a história mais famosa de vingança. Medeia era filha de Aetes, rei da Cólquida, que possuía o velocino de ouro – lã de ouro do carneiro alado Crisómalo. Jasão e os argonautas – tripulantes da nau Argo – buscavam o velocino para que ele retomasse o trono de Iolco, mas Aetes o mantinha guardado por um dragão. Medeia apaixonou-se por Jasão e se opôs ao pai para ajudá-lo, salvando a vida do herói grego. Fugiu com ele da Cólquida em seu navio rumo à Grécia.

Após alguns anos juntos, Jasão a abandonou, para se casar com a filha de Creonte, rei de Corinto, e permitiu que este a exilasse junto aos filhos. Injustiçada e furiosa Medeia não poupa esforços para se vingar de Jasão: envia um presente de casamento à noiva de Jasão – um vestido envenenado que ao ser usado rompe em chamas e queima até a morte a princesa de Corinto e o rei. Mas não é o fim. Ela mata os dois filhos que tivera com Jasão. O poeta grego Eurípedes escreveu Medeia, no século V a.C.

Mas os homens também se vingam, porque suportam menos ainda o abandono. A procuradora de justiça de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, afirma que as mulheres são menos afeitas à violência física. "A história da humanidade registra poucos casos de esposas ou amantes que mataram por se sentirem traídas ou desprezadas. Essa conduta é tipicamente masculina. (…) O crime passional costuma ser uma reação daquele que se sente 'possuidor" da vítima. (…) Por isso, quando se vê contrariado, repelido ou traído acha-se no direito de matar."

Para a escritora uruguaia Carmen Posadas o ato do amante passional que mata o ser amado que o abandona ou prefere outra pessoa é a consequência da frustração de seu desejo de posse. A pessoa não suporta mais seus sofrimentos e sente que sua única possibilidade de salvação é cortar o problema pela raiz.

Entretanto, a dinâmica da violência vingativa é outra. O amante quer resolver uma questão que considera pendente; não quer evitar o mal que o ameaça, mas "anular magicamente" aquilo que na realidade já aconteceu. Delicia-se imaginando mil vezes o castigo que infligirá ao ser amado ou ao rival que o roubou, inventando roteiros de terror que não para de aperfeiçoar.

O que move a vingança é o ódio, fruto da rejeição. O amante rejeitado acredita que ninguém o amará, nunca mais. Odeia a si mesmo e à pessoa que nele provocou esses sentimentos. Como o ódio não tem o poder de refazer o passado, ele confia à vingança futura.

É fundamental que homens e mulheres reflitam sobre como se vive o amor na nossa cultura, principalmente no que diz respeito à dependência emocional e à possessividade, se quiserem ter uma vida mais plena, sem tanto sofrimento.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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