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Regina Navarro Lins

Amor compartilhado

Regina Navarro Lins

23/08/2014 11h40

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso da mulher que está amando dois homens ao mesmo tempo. Não sabe que atitude tomar, afinal, não gostaria de ter que fazer uma opção. É compreensível.

Desde que nascemos, muitas coisas nos são ensinadas como verdades absolutas. Todos os meios de comunicação — televisão, cinema, teatro, literatura, rádio — participam ativamente, sem contar a família, a escola, os vizinhos. O condicionamento cultural é tão forte que crescemos sem perceber o que realmente desejamos ou o que aprendemos a desejar. Isso ocorre em todas as áreas, portanto, também no que diz respeito ao amor.

Desejamos tanto viver um amor romântico, que aceitamos como verdade inquestionável o conjunto de ideais e expectativas construídas para reger esse tipo de amor. Ao fazer com que todos acreditem ser impossível amar duas pessoas ao mesmo tempo, o modelo de amor imposto na nossa cultura torna inquestionável a conclusão: "se ele ama outra é porque não me ama". É muito difícil encontrar alguém que admita que o amor pode ser vivido fora de uma relação fechada entre duas pessoas, apesar de muita gente viver na prática essa experiência.

Contudo, não há dúvida de que podemos amar várias pessoas ao mesmo tempo. Não só filhos, irmãos e amigos, mas também aqueles com quem mantemos relacionamentos afetivo-sexuais. E podemos amar com a mesma intensidade, do mesmo jeito ou diferente. Acontece o tempo todo, mas ninguém gosta de admitir. A questão é que nos cobramos a rapidamente fazer uma opção, descartar uma pessoa em benefício da outra, embora essa atitude costume vir acompanhada de muitas dúvidas e conflitos.

Mas na realidade, todas as pessoas estão constantemente expostas a estímulos sexuais novos provenientes de outros, que não o parceiro atual. É provável que esses estímulos não tenham efeito na fase inicial da relação, em que há total encantamento pelo outro. Entretanto, existem e não podem ser eliminados.

Concordo com W.Reich quando diz :"Todo o moralismo em torno das relações extraconjugais só produz efeitos contrários, na medida em que a repressão das necessidades sexuais serve sobretudo para exacerbar a sua urgência. Os estímulos sexuais, que apenas podem ser contrariados eficazmente por uma inibição sexual neurótica, despertam em qualquer pessoa sexualmente saudável o desejo de outros objetos sexuais. Quanto mais saudável é a pessoa, mais consciente, isto é, não recalcados serão esses desejos e consequentemente mais fáceis de controlar. Evidentemente, tal controle é tanto menos nocivo quanto menos for determinado por considerações morais.".

Pode até ser que na fase da paixão, quando se está encantado pelo outro, não caiba mais ninguém. Mas essa fase dura pouco. Com uma convivência mais prolongada, a paixão acaba e fica o amor, se houver. Mas para começar a pensar diferente da maioria é necessário alguma dose de coragem.

Mas afinal, por que se tem tanto medo de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo? O psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa, introdutor das ideias de Reich no Brasil, afirma que "somos por tradição sagrada tão miseráveis de sentimentos amorosos que havendo um já nos sentimos mais do que milionários, e renunciamos com demasiada facilidade a qualquer outro prêmio lotérico (do amor)".

E essa limitação afetiva se desenvolveu a partir da crença de que somente através da relação amorosa estável com uma única pessoa é que vamos nos sentir completos e livres da sensação de desamparo. Não é à toa que exigimos que o outro seja tudo para nós e nos esforçamos para ser tudo para ele. Mesmo à custa do empobrecimento da nossa própria vida.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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