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Regina Navarro Lins

Sob o domínio da paixão

Regina Navarro Lins

15/07/2014 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que responderam à enquete da semana acredita que é fundamental existir paixão na relação amorosa. Não são poucos os casos famosos de pessoas apaixonadas.

Edward VIII (1894-1972), por exemplo, foi rei da Inglaterra por um ano até renunciar ao poderoso trono do império pela paixão por uma mulher, Wallis Simpson, plebeia, americana e divorciada. Esse caso foi apresentada à opinião pública como um conto de fadas. Conhecendo os detalhes da história fica a dúvida: ele a amava mesmo ou o que predominava era uma profunda dependência emocional? Nunca saberemos.

Não há dúvida de que a paixão nos faz olhar o mundo de outra forma. Tudo assume cores e matizes surpreendentes. Êxtase, euforia, apreensão, dias inquietos, noites insones… É possível estar entre muitas pessoas e ficar preso por uma única imagem. Todos desaparecem, até a realidade se afasta do cenário e a pessoa amada se torna a única presença significativa, a única que nos importa.

Uma dimensão minha, interna, de que eu não era consciente, emerge e eu me enriqueço com o que até aquele momento me era desconhecido. A paixão pode ser comparada ao estado hipnótico. Há uma fixação no ser amado, o que em alguns casos se torna uma obsessão.

Os amantes experimentam um sentimento de incrível plenitude e, simultaneamente, têm a impressão de terem vivido até aquele momento em estado de privação: a presença do outro é fonte de bem-estar que parece ter possibilidades inesgotáveis. É como se novas percepções e emoções enchessem os nossos canais sensoriais, abrindo à alma outra dimensão. Por conta disso, todos os apaixonados pressentem que um dia podem perder a pessoa amada, que isso pode acontecer a qualquer momento, e sofrem.

A principal característica da paixão é a urgência. Ela é tão invasiva e poderosa que pode fazer com que sejam ignoradas todas as obrigações habituais. Perturba as relações cotidianas, arrancando a pessoa das atividades a que está acostumada, deixando-a completamente fora do ar.

É comum se fazerem escolhas radicais e muitas vezes penosas — falta-se ao trabalho, larga-se o emprego, muda-se de cidade, abandona-se a família. "O amor é bem comportado, se faz no lugar da ordem. É exercido a partir de uma série de referências bem ordenadas. A paixão, não. Ela subverte, perverte, te vira pelo avesso. O amor é legal, tem futuro, faz promessas…", diz o professor de teoria psicanalítica e escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza.

O francês Denis de Rougemont, grande estudioso do amor no Ocidente, afirma que raramente os poetas cantam o amor feliz, harmonioso e tranquilo. E que o romance passa a existir unicamente onde o amor é fatal, proscrito, condenado… e não como a satisfação do amor. As provas, os obstáculos, as proibições, são as condições da paixão. Afinal, paixão significa sofrimento.

O desejo e o sofrimento fazem com que todos se sintam vivos, proporcionando um frisson, e muitas surpresas. Necessita-se do outro, não como ele é no real, mas como instrumento que torna possível viver uma paixão ardente. Somos envolvidos por um sentimento tão intenso que por ele ansiamos, apesar de nos fazer sofrer. Os apaixonados não precisam da presença do outro, mas da sua ausência. Contudo, a maioria reconhece que a paixão acaba logo.

Para a historiadora e filósofa francesa Elisabeth Badinter a paixão está em via de extinção. As mentalidades estão mudando e a tendência é outra. Ela acredita que agora homens e mulheres sonham com outra coisa diferente dos dilaceramentos. Se as promessas de sofrimento devem vencer os prazeres, preferimos nos desligar.

Além disso, a permissividade tirou da paixão seu motor mais poderoso: a proibição. Ao admitir que o coração não está mais fora da lei, mas acima dela, pregou-se uma peça no desejo. Então, mesmo que ainda quiséssemos, não poderíamos mais. As condições da paixão não estão mais reunidas, tanto do ponto de vista social quanto psicológico, diz Badinter.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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