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Regina Navarro Lins

O valor da autonomia feminina

Regina Navarro Lins

20/05/2014 02h43

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria dos internautas que responderam à enquete da semana acham possível uma mulher ser feminina e autônoma ao mesmo tempo. Lembrei-me então de uma música que fez muito sucesso há algumas décadas.

"Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza, qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora, qualquer coisa que sente saudade; um molejo de amor machucado, uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor e ser só perdão.", diz Vinicius de Moraes em Samba da bênção.

Você concorda com essa história de que mulher nasceu para sofrer e ser só perdão? Eu não penso assim, entretanto, nos sonhos de alguns jovens, aparece a mulher desempenhando esse papel que dela se espera.

Três rapazes, com pouco mais de 20 anos, conversavam na praia de Ipanema sobre a mulher ideal de cada um. Um deles definiu com clareza o que buscava na amada: "Eu me apaixonaria por uma garota que, depois de fazermos sexo a primeira vez, tivesse nos olhos uma expressão de felicidade ao mesmo tempo que duas lágrimas rolassem pelo seu rosto." As lágrimas, provavelmente, dariam o toque da feminilidade, isto é, do recato, da culpa, do pedido de perdão.

Hoje fala-se na mulher independente. A mulher que após ter sido sustentada durante séculos pelo pai ou marido, se libertou dessa submissão adquirindo novo status. Essas mulheres ganham seu próprio dinheiro — em muitos casos mais que seus maridos ou amigos —, compram o que desejam, viajam para onde querem, escolhem onde morar e, o melhor de tudo, não têm que prestar contas dos seus gastos a ninguém.

É muito comum se dizer que o homem teme a relação com a mulher independente. Alega-se que, além de não estar preparado para abrir mão da superioridade que o papel de provedor lhe confere, poderia se sentir desvalorizado caso a parceira ganhasse mais do que ele. Mas na realidade não é isso o que acontece. O homem não teme a mulher que tem uma profissão e ganha muito dinheiro. Muitos temem, sim, a mulher autônoma. Ser uma mulher independente ou uma mulher autônoma não é a mesma coisa. Mas existe uma confusão a respeito disso.

A mulher feminina – ganhando ou não o seu próprio sustento – é aquela que se enquadra num modelo imposto para as mulheres – meiga, cordata, frágil, passiva, dependente do homem, sempre se esforçando para agradá-lo, nunca toma a iniciativa sexual…

Mas o que é, afinal, uma mulher autônoma? Em primeiro lugar, ela olha com novos olhos para o mundo, o amor, o homem, a mulher, sem estar presa aos condicionamentos que tanto limitam as pessoas. Tem coragem de ser ela mesma na sua totalidade, e não renuncia a partes do seu eu tentando corresponder ao que dela se espera. Se sente livre para expressar todos os aspectos de sua personalidade, mesmo os considerados masculinos pela nossa cultura, como força, decisão, ousadia.

Na relação amorosa, não se preocupa em se submeter às exigências sociais do que é aceito ou não para uma mulher e vive o máximo possível em sintonia com seus próprios desejos. É evidente que a mulher por quem sonha o jovem da praia não é uma mulher autônoma.

Entretanto, a autonomia não é fácil de ser alcançada. São anos e anos de condicionamento, em que vamos assimilando os valores do lugar em que vivemos, como se fosse nosso idioma natal. Mas atualmente cada vez mais mulheres questionam a suposição da nossa cultura de que a verdadeira felicidade se equipara a estar envolvida com um homem. Isso já é um bom sinal. Ter ou não um homem ao lado está aos poucos deixando de ser a questão básica da vida. Porém, ainda são poucas as pessoas que realmente buscam autonomia.

É evidente que sem independência financeira não existe autonomia. Mas não basta. Existem mulheres totalmente independentes sem autonomia alguma. Quantas você conhece que alcançam sucesso profissional, se tornam brilhantes executivas, e que, no entanto, vivem sonhando em encontrar o príncipe encantado?

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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