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Regina Navarro Lins

É fácil inventar o amor

Regina Navarro Lins

29/03/2014 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso da internauta que se apaixonou, acreditando ter encontrado o grande amor da vida, mas pouco depois se desencantou. Isso acontece com bastante frequência.

Muitas vezes, até em relações duradouras, ouvimos a descrição do parceiro amoroso de alguém como sendo uma pessoa maravilhosa, bonita, inteligente, carinhosa e nos sentimos constrangidos quando somos apresentados a ela. É comum não possuir absolutamente nenhuma das características atribuídas pelo outro.

O amor romântico é construído em torno da projeção e da idealização sobre a imagem em vez da realidade. A pessoa amada não é percebida com clareza, mas através de uma névoa que distorce o real. Os amigos dizem: "O que ela viu nele?" ou "O que ele viu nela?" Porque eles veem a pessoa, enquanto você vê a imagem idealizada do outro.

Entretanto, para se manter envolto na névoa que cobre o amor romântico depois de algum tempo de relação, é necessário que o outro corresponda, evitando qualquer intimidade real, se calando sobre os pensamentos e sentimentos mais íntimos, bem como mantendo um certo afastamento físico.

As pessoas sempre souberam disso. Até alguns anos atrás, o argumento que as mães usavam para controlar o namoro de suas filhas era de que qualquer intimidade física antes do casamento faria o rapaz perder o interesse pela moça. Parece que não havia preocupação quanto ao depois. Aí já estariam casados e tudo tinha que ser suportado. Ainda hoje encontramos defensores da falta de intimidade física para adiar o desencanto.

O autor americano Robert Johnson, em seu trabalho sobre o amor romântico, faz uma análise de como esse sentimento tão valorizado entre os ocidentais afeta a vida das pessoas. O amor romântico não resiste à intimidade porque a relação não é com a pessoa real, do jeito que ela é. O "apaixonado" centraliza o seu ser na ilusão do romance, acreditando que vai encontrar a si mesmo e a vida em toda a sua plenitude. Mas, como a magia nunca dura e a idealização do outro acaba, surge o desencanto. Nessa quebra de encanto, começamos a perceber que a pessoa amada e as projeções colocadas nela são realidades distintas.

A convivência torna evidentes as diversas características de personalidade da outra pessoa. Seu jeito de ser e de pensar, como também sua generosidade ou seu egoísmo, sua coragem ou suas inseguranças, por exemplo. Alguns aspectos nos causam admiração, outros repúdio, mas de qualquer forma não conseguimos mais perceber o outro tão maravilhoso e idealizado como no início da relação. As nossas projeções sofrem a interferência da realidade.

Qualquer transgressão à ordem social estabelecida é imediatamente perdoada se for em nome do amor. Todos torcem para que o amor supere tudo e sempre vença. Ao mesmo tempo, estão todos dispostos a reconhecer que a paixão é uma forma de intoxicação, uma doença da alma como pensavam os antigos. Na era de Hollywood ninguém quer acreditar nisso. Estamos todos mais ou menos envenenados.

Inegavelmente, o amor romântico tem seu próprio tipo de excitação, temporária por natureza. Enquanto estamos apaixonados por alguém, o mundo se reveste de tamanho significado que a cada encontro somos transportados para fora da realidade e cria-se um estado de exaltação. É como se uma parte que nos faltasse nos tivesse sido devolvida, sentimo-nos enaltecidos, como se de repente tivéssemos nos elevado acima do mundo comum.

Existe uma expectativa no homem e na mulher de que o amor revele algo sobre eles mesmos ou sobre a vida em geral. A paixão é sempre uma aventura. Transforma a vida de cada pessoa, enriquecendo-a de novidades, riscos e prazeres.

As características do amor romântico são inconfundíveis. O êxtase e a agonia que nos causam tornam a vida emocionante, nos dando essa sensação de transcendência. Para se manter nesse estado de plenitude, homens e mulheres exigem coisas impossíveis de seus relacionamentos: nós realmente acreditamos inconscientemente que o outro tem a obrigação de nos manter sempre felizes, de tornar nossa vida significativa, vibrante, plena de encanto.

Mas, quando nos desapaixonamos, o mundo instantaneamente parece desolado e vazio apesar de, em alguns casos, continuarmos ao lado da mesma pessoa que antes nos propiciava tanta felicidade.

Em nossa cultura, o romance está em toda parte. A literatura, os filmes e músicas o expressam em abundância. Ficamos dramaticamente encantados quando o romance está no pleno vigor e desesperados quando ele acaba. Todo um conjunto de verdades sobre o romance nos é oferecido. Inconsciente e automaticamente, nós o aceitamos sem discutir e ficamos profundamente irritados quando alguém o faz.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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