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Regina Navarro Lins

O amor envergonhado

Regina Navarro Lins

18/03/2014 01h23

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando a Pergunta da Semana

A grande maioria das pessoas que responderam à enquete da semana já sentiu vergonha do parceiro(a). O fato de ter sido um percentual enorme (86%) deixa claro que sentir vergonha da pessoa que está ao lado é frequente.

Talita, por exemplo, estava triste com a conversa que tivera com o namorado. Há muito percebia que ele evitava apresentá-la aos amigos. Até que resolveu perguntar-lhe o porquê desse comportamento. A resposta a surpreendeu: "Amo você, temos um sexo ótimo, mas tenho vergonha de te apresentar aos meus amigos porque você está gorda." Entre os vários motivos da vergonha o aspecto físico parece ocupar lugar de destaque, mas existem outras razões. Um bom exemplo é a situação vivida por Vânia.

Professora, 33 anos, estava sozinha há algum tempo, quando conheceu Mário e por ele logo se apaixonou. Deixou de sair com os amigos e nada mais lhe interessava; passou a viver em função namorado, acreditando ter encontrado alguém que a completava. Dizia se sentir como se tivesse ganho na loteria, afirmando que um homem tão maravilhoso não anda sobrando por aí. Passados alguns meses, chegou ao meu consultório e desabafou: "Não sei o que está acontecendo comigo. De uns tempos pra cá tenho me decepcionado com Mário. Na verdade, ele não é essa maravilha toda que eu imaginava. Ele faz comentários ridículos sobre as coisas, é desinformado e não parece nada inteligente. Quando estamos num grupo, sinto muita vergonha dele. Será que eu inventei uma pessoa, que não existe?"

Provavelmente, no início do namoro, Vânia atribuiu a Mário características de personalidade que ele não possui. Isso é bastante comum. O amor romântico, tão valorizado no Ocidente, não é construído na relação com a pessoa real, que está do lado, e sim com a que se inventa de acordo com as próprias necessidades. Você idealiza a pessoa amada e projeta nela tudo o que gostaria de ser ou como gostaria que ela fosse.

Há uma névoa que distorce o real. Os amigos dizem: "O que ela viu nele?" ou "O que ele viu nela?" Porque eles veem a pessoa, enquanto você vê a imagem idealizada dela. É claro que, na intimidade da convivência do dia-a-dia, você acaba enxergando a pessoa do jeito que ela é. Tornam-se evidentes suas diversas características de personalidade. Seu jeito de ser e de pensar, sua inteligência ou sua limitação, como também sua generosidade ou seu egoísmo, sua coragem ou suas inseguranças, por exemplo.

Alguns aspectos nos causam admiração, outros repúdio, mas de qualquer forma não conseguimos mais perceber o outro tão maravilhoso como no início da relação. As nossas projeções sofrem a interferência da realidade. Não dá mais manter a idealização e a consequência natural é o desencanto. É nesse momento que, em muitos casos, surge a vergonha do parceiro.

O amor romântico teve início há 800 anos, no século 12, e apesar de só ter entrado no casamento em meados do século passado, é a propaganda mais difundida, poderosa e eficaz do mundo ocidental. Chega até nós diariamente através da literatura, novela, música, cinema. Com um detalhe: o amor romântico é uma mentira. Mente sobre mulheres e homens e sobre o próprio amor. É uma mentira há tanto tempo que queremos vivê-lo de qualquer jeito. Amamos o fato de estar amando, nos apaixonamos pela paixão.

Esse ideal amoroso nos é imposto, desde muito cedo, como única forma de amor. Contém a ideia de que duas pessoas se transformam numa só, havendo complementação total e nada lhes faltando. O amado é a única fonte de interesse, os dois vão se transformar num só, um terá todas as suas necessidades satisfeitas pelo outro, não é possível amar duas pessoas ao mesmo tempo, quem ama não sente desejo sexual por mais ninguém…

Na época em que vivemos, de grandes transformações no mundo, no que diz respeito ao amor o dilema se situa entre o desejo de simbiose com o parceiro e o desejo de liberdade. Por enquanto, não há dúvida de que desejar viver relações de amor fora do modelo romântico pode ser frustrante para a maioria. As pessoas são viciadas nesse tipo de amor e fica difícil encontrar parceiros que já tenham se libertado dele.

Mas acredito ser apenas uma questão de tempo. É possível viver um tipo de amor bem diferente, sem projeções e idealizações, longe da camuflagem do mito do amor romântico. Não alimentando fantasias românticas de fusão com outra pessoa, cada um tem a oportunidade de pretender se sentir inteiro, sem necessitar de outro para completá-lo. Aí então será possível descobrir as incontáveis possibilidades do amor e como ele pode se apresentar para cada pessoa em cada momento de diferentes maneiras.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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