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Regina Navarro Lins

O amor que a gente inventa

Regina Navarro Lins

25/02/2014 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que responderam à enquete da semana acredita que o amor a gente inventa. Em quatro décadas de consultório e inúmeras mensagens recebidas, não tenho  dúvidas de que isso ocorre com frequência. Um bom exemplo é o relato de Lúcia.

Ela estava apaixonada. Psicóloga, 29 anos, recém-separada, era quase impossível isso acontecer devido a sua exigência intelectual em relação às pessoas. Mas conheceu Artur, um jovem de 20 anos, e só pensava nele. Na primeira noite que se viram, conversaram até às seis horas da manhã. Estava exultante: "É inacreditável como ele pode ter uma cabeça tão interessante, tendo só 20 anos. Não paramos de conversar um minuto. Tem tudo a ver comigo. Nossa visão de mundo e nossas ideias são as mesmas. Há muito tempo não encontro alguém tão estimulante."

Passadas algumas semanas, quando já havia se desencantado e não pensava mais em Artur, percebeu com clareza o que se passara no primeiro encontro. "Não sei como não enxerguei. Eu falava sozinha o tempo todo. Ele só me olhava e dizia: "Podes crer." Acho que nunca ouvi dele qualquer ideia sobre qualquer coisa. Aliás, acho que nem uma frase inteira. É um completo idiota."

Quantas vezes ouvimos a descrição do parceiro amoroso de alguém como sendo uma pessoa maravilhosa, bonita, inteligente e quando somos apresentados a ela levamos um choque?

O amor existe sim, mas o amor romântico, aquele que no Ocidente todos anseiam viver, a gente inventa. É um tipo de amor construído em torno da projeção e da idealização sobre a imagem em vez da realidade. A pessoa amada não é percebida com clareza, mas através de uma névoa que distorce o real. Os amigos dizem: "O que ela viu nele?" ou "O que ele viu nela?" Porque eles veem a pessoa, enquanto você vê a imagem idealizada dela.

Todas as expectativas e ideais do amor romântico nos são passados como a única forma de amor, e aprendemos a sonhar e a buscar um dia viver tal encantamento. Esse tipo de amor contém a ideia de que duas pessoas se transformam numa só, havendo complementação total e nada lhes faltando. Entre outras regras, prega que não é possível amar duas pessoas ao mesmo tempo, que cada um terá todas as suas necessidades satisfeitas pelo parceiro (a) e nunca sentirá desejo sexual por mais ninguém, porque o amado é a única fonte de interesse do outro.

O amor romântico não é apenas uma forma de amor, mas todo um conjunto psicológico — uma combinação de ideais, crenças, atitudes e expectativas. Essas ideias coexistem no inconsciente das pessoas e dominam seus comportamentos e reações. Inconscientemente, predetermina-se como deve ser o relacionamento com outra pessoa, o que se deve sentir e como reagir.

A questão é que a convivência torna evidentes as diversas características de personalidade do outro. Seu jeito de ser e de pensar, como também sua generosidade ou seu egoísmo, sua coragem ou suas inseguranças… Alguns aspectos nos causam admiração, outros repúdio, mas de qualquer forma não conseguimos mais perceber o outro tão maravilhoso e idealizado como no início da relação. As nossas projeções sofrem a interferência da realidade. É inevitável então o desencanto e a sensação de ter sido enganado.

Vivemos um período de grandes transformações no mundo, e, no que diz respeito ao amor, o dilema atual se situa entre o desejo de simbiose com o parceiro e o desejo de liberdade. Entretanto, desejar viver relações de amor fora do modelo romântico pode ser frustrante. As pessoas são viciadas nesse tipo de amor e fica difícil encontrar parceiros que já tenham se libertado dele. Mas acredito ser apenas uma questão de tempo. As mudanças são lentas e graduais, mas definitivas, nesse caso.

Para quem imagina que vai perder alguma coisa ao desistir do amor romântico, Bonnie Kreps, cineasta canadense que escreveu um livro sobre o tema, é animadora. Ela diz que deixar o hábito de "apaixonar-se loucamente" para a novidade de entrar num tipo de amor sem projeções e idealizações também tem sua própria excitação.

Kreps acredita que é a mesma sensação de utilizar novos músculos, que sempre tivemos, mas nunca usamos por causa de nosso modo de vida. "Entretanto, ao começar a utilizá-los podemos fazer com nosso corpo coisas que antes nunca conseguimos. Os músculos psicológicos também existem e devemos olhar através da camuflagem do mito do amor romântico a fim de encontrá-los — e, então, ver com o que se parecerá o amor quando mais pessoas começarem a flexioná-los.", diz ela.

Quem sabe não teremos grandes surpresas?

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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