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Regina Navarro Lins

A dependência emocional dos homens

Regina Navarro Lins

11/02/2014 09h13

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando a Pergunta da Semana

Quase 80% das pessoas que responderam à enquete da semana acreditam que os homens dependem emocionalmente de suas mulheres. Ao contrário do que parece, penso que isso corresponde mesmo o que acontece com a maioria. Muitos entregam a elas a administração integral da vida e dos próprios desejos. Para ilustrar essa dependência lembrei-me de duas cenas que presenciei e nunca esqueci.

Um casal, casado há 30 anos, conversava animadamente em grupos separados. Ele, um bem sucedido advogado, elegante e discreto, contava histórias de sua recente viagem. Quando foi servido o jantar, todos foram à mesa. E a cada momento, antes de pôr a comida no prato, ele se virava para a esposa e perguntava baixinho: "Julieta, eu gosto?"

O outro exemplo é até mais surpreendente. Sofia, uma mulher bonita de 39 anos, contava numa roda de amigas o que tem passado com o marido acamado em casa, com uma virose que lhe impede de ir ao trabalho. Segundo recomendação médica, Alfredo passa o dia em repouso e solicita sem trégua os cuidados da mulher. "É inacreditável. Ele exige que eu lhe dê comida na boca. Mas isso não é o pior. Quando está satisfeito, não me avisa. Fazz "bruuu", soprando a comida pra todos os lados. Parece que regrediu para uma fase anterior à fala."

É claro que a dependência masculina não se mostra necessariamente tão óbvia, se apresentando, na maioria das vezes, de forma bem mais sutil. Homens e mulheres têm um papel a desempenhar. Os meninos, para serem aceitos como machos têm que corresponder ao que deles se espera numa sociedade patriarcal — força, sucesso, poder. Não podem falhar nem sentir medo.

Onde se esconde, então, toda a fragilidade e dependência que observamos, na intimidade, em muitos homens? Sem dúvida, perseguir o ideal masculino da sociedade patriarcal gera angústias e tensões, sendo necessário então usar uma máscara de onipotência e independência absoluta. Por isso, parece adequada a afirmação de que "quando cai a máscara descobre-se um bebê que treme". Mas por que tudo isso?

Quando pequeno, o menino tem com a mãe um vínculo intenso, que que deve ser rompido precocemente para que ele se desenvolva como "homem". Permanecer muito perto da mãe só é permitido às meninas. Para os meninos isso significa ser maricas ou filhinho da mamãe. Os amigos e os próprios pais não perdem uma oportunidade de deboche ou piada a qualquer manifestação de sujeição à mãe.

O desejo de ser cuidado, acalentado, dependente é recalcado. Na vida adulta os homens escondem a necessidade que têm das mulheres mostrando-se auto-suficientes e desprezando-as. Tentam se convencer de que elas é que precisam deles, da sua proteção. Negando, assim, seus próprios impulsos de dependência, se sentem mais fortes e poderosos.

Contudo, quando o homem se sente atraído por uma mulher, dois sentimentos contraditórios o assaltam. Por um lado, o desejo de intimidade, de aprofundar a relação. Por outro, o temor de se ver diante do seu próprio desamparo e do desejo de ser cuidado por uma mulher. Talvez isso explique por que tantos homens que resistem ao casamento, optando por uma vida livre, em um determinado momento se casam e se tornam submissos, dependentes e dominados pela mulher.

Poucas vezes o homem tem oportunidade de relaxar, de baixar a guarda. Ficar doente, mesmo sem gravidade, é um ótimo pretexto. Entregam-se despreocupados ao saudoso cuidado materno, agora exercido geralmente pela namorada ou esposa. Solicitam atenção integral sem se importar em ser tratados como bebês.

O homem dependente não é autônomo. Autonomia implica não se submeter às exigências sociais, de modo a rejeitar características da própria personalidade consideradas femininas pela nossa cultura. O homem pode ser forte, decidido e corajoso, mas também frágil, indeciso e muitas vezes sentir medo, dependendo do momento e das circunstâncias. Pode falar dos seus sentimentos, ficar triste e até chorar. O homem autônomo só começa a surgir nesse momento, em que a mentalidade patriarcal começa a sair de cena.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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