A importância da educação afetiva
Comentando a Pergunta da Semana
A grande maioria das pessoas que respondeu à enquete da semana considera comum os casais brigarem sem saber o motivo.
Paulo e Sofia são arquitetos, casados há oito anos, com dois filhos. De uns tempos para cá a convivência está se tornando insuportável. Paulo, na última sessão de terapia, desabafou:
"Não está dando mais para aguentar. Brigamos por qualquer motivo. Ontem combinamos de ir ao cinema, mas na última hora apareceu um possível novo cliente no escritório. Tive que ligar para Sofia e desmarcar. Ela devia entender, mas não. Tudo é pretexto para discussões intermináveis. Não devia ter voltado para casa; brigamos até às quatro horas da manhã! O pior é quando é na frente de outras pessoas. No sábado passado, quando estávamos saindo com um casal amigo para almoçar, a briga foi por causa de uma vaga para estacionar o carro. O clima ficou péssimo. As pessoas ficam sem jeito e nunca sei como contornar essa situação. Parece que é impossível vivermos em paz. Isso sem contar o mau-humor e as caras amarradas, que são constantes. Sei que a culpa não é somente dela. Também fico sem paciência e, em alguns momentos, digo coisas agressivas. Na verdade, o que não sei é por que ainda ficamos juntos."
É muito difícil saber por que um casal começa a brigar. Na maior parte das vezes nem as pessoas envolvidas conseguem perceber o motivo. Entretanto, o que menos importa é o tema da briga; por qualquer razão o rancor que existe e que se tenta negar escapa, sem controle.
As brigas também podem ser silenciosas. Caras, olhares, gestos, tons de voz, ironias disfarçadas, tudo tornando bem desagradável o dia-a-dia do casal e constrangendo quem está por perto. Alguns chegam ao ponto de, após anos de vida em comum, ir deixando de se falar. Mas ficam ali, juntos, sem nem pensar em separação. "Casamento é assim mesmo…", dizem.
No mundo ocidental há a ideia de que ninguém é inteiro, faltando um pedaço em cada um. Com o casamento, as pessoas imaginam que estarão de tal forma preenchidas, que nada mais vai lhes faltar. A ideia de ter enfim encontrado 'a pessoa certa', 'a alma gêmea', 'a outra metade', faz com que a satisfação das necessidades e carências pessoais seja vista como dever do parceiro.
Em pouco tempo o outro se torna insuportável, porque passa a ser visto como um poço de defeitos — os próprios e os que foram projetados nele pelo parceiro. Devido ao descompasso entre o que se esperava da vida a dois e a realidade, as frustrações vão se acumulando e, de forma inconsciente, gerando ódio.
Aquela ideia de que, ao casar, se tornariam um só, com todas as necessidades satisfeitas, já foi abandonada há muito tempo. O que restou foi um profundo rancor matrimonial, exercitado no dia-a-dia.
O psicoterapeuta Paulo Lemos aborda alguns aspectos interessantes no seu livro Educação Afetiva – porque as pessoas sofrem por amor. Para ele está na hora de aprendermos que convivência é um acontecimento básico e social, repousa em muitos outros conhecimentos que devemos adquirir à medida que nos desenvolvemos como seres humanos. Abaixo sintetizo alguns trechos.
Atualmente, as pessoas escolhem com quem querem conviver, livremente, se perguntarmos por que elegeram aquela pessoa pra conviver, talvez nos respondam que foi por amor. Contudo, essa escolha por amor não garante a boa convivência. Mais cedo ou mais tarde aparecem os problemas: sofrem enormes dificuldades sexuais, Vivem em atrito quase constante e se sentem infelizes e com a sensação de que há algo errado com elas ou com o outro.
Conviver pressupõe, hoje entendemos, educação afetiva. Pressupõe que conheçamos nossas próprias emoções, que saibamos de nossas limitações físicas, intelectuais, afetivas, econômicas, sociais, sexuais. Enfim para viver com outro precisamos saber de nós mesmos. O que podemos dizer é que estamos dispostos a dar e a aprender.
Precisamos amadurecer afetivamente ter consciência de que o outro, de fato, jamais poderá compreender inteiramente o que se passa dentro de nós nem valorizar as coisas da mesma maneira do que nós e que não há qualquer artifício que faça com que duas pessoas vejam e sintam de maneira idêntica um mesmo acontecimento.
Possuir um espaço próprio dentro de uma relação torna-se, então, uma questão de higiene – manutenção da saúde da relação. Como a maioria de nós foi educada para estar " grudado " no outro, quando intuitivamente um dos pares começa reivindicar um espaço maior para si parece que algo estranho está acontecendo. Surgem as fantasias de abandono.
Não é nada fácil viver no meio de constantes brigas. Educadores americanos começaram pela primeira vez, nos EUA, há mais ou menos 20 anos, a abordar a educação para amar, ou seja, a alfabetização emocional —, para ajudar os estudantes a aprenderem maneiras de ser e de se relacionar.
Essa educação está sendo introduzida lentamente no currículo escolar. Há escolas que ensinam seus alunos de literatura e história à empatia através do que chamam de "monólogos interiores", nos quais os estudantes são encorajados a pensar a partir da perspectiva dos diferentes personagens na história, na literatura e na vida.
Quem sabe poderíamos ter também escolas com disciplinas que ensinassem os alunos a se relacionar afetivamente?
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