A tradição cruel do estupro
Comentando a Pergunta da Semana
A maioria das pessoas que respondeu à enquete da semana não considera que a mulher estuprada é responsável pela violência sofrida. Ainda bem.
No Brasil ocorre um estupro a cada 11 minutos. Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima que devem ter ocorrido entre 129,9 mil e 454,6 mil estupros no País em 2015.
Foi espantoso também o resultado da pesquisa divulgada pelo Ipea, em 2014: 58,5% dos entrevistados concordaram totalmente ou parcialmente com a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros." Um absurdo total.
Essa violência tem uma longa história. Quando o sistema patriarcal se instalou, há cinco mil anos, e a sociedade de parceria entre homens e mulheres cedeu lugar à dominação masculina, a mulher passou a ser uma mercadoria valiosa. Rapto seguido de estupro foi o método mais usado de adquiri-la. Desde então, ocorrem estupros em toda parte.
Na Idade Média (século 5 ao 15), um dos pensamentos comuns entre os homens era que toda mulher podia ser submetida. Havia conselhos da melhor forma de praticar um estupro :
"Com uma mão levante a sua roupa e, em seguida, encaixe o membro ereto/Em seu sexo. Deixe-a gemer e gritar. Pressione seu corpo contra o seu e satisfaça os seus desejos com ela".
A força bruta era vista com bons olhos. Havia também os estupros coletivos. Os jovens solteiros, nas cidades no fim da Idade Média, frequentemente se reuniam em associação com um chefe à sua frente. Eles eram autorizados a estuprar as mulheres que encontrassem pela frente.
Na Renascença, século 16, a ideia de que as mulheres queriam que o Diabo as seduzisse se baseava na crença medieval de que elas queriam e apreciavam o estupro. O estupro sempre foi muito difícil de se provar num tribunal. E a vítima era suspeita de se ter deixado levar por sua sensualidade natural.
Atualmente, acontece a mesma coisa. Há quem atribua a responsabilidade do estupro à vítima. Alegam que seu modo de vestir, de andar ou falar é o grande responsável. Por trás dessa ideia está a noção de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as mulheres que os provocam é que deveriam saber se comportar. A violência parece surgir como corretivo: "A mulher merece ser estuprada para aprender a se comportar".
Há quem encare esse tipo de violência contra a mulher como algo natural. A visão do estupro como uma "brincadeira" tornou-se noticia internacional quando a diretora de uma escola do Quênia falou sobre a morte, na escola, de 19 meninas pelos meninos, quando elas resistiram ao estupro. Seu comentário inacreditável, relatado na imprensa queniana e, depois, no New York Times, em 4 de agosto de 1991, foi: "Os meninos não queriam fazer mal às meninas. Só queriam estuprá-las".
Apesar de toda a violência, as mentalidades estão mudando. Há homens que já compreenderam que a virilidade tradicional é bastante arriscada e cada vez mais aceitam que atitudes e comportamentos sempre rotulados como femininos são necessários para o desenvolvimento de seres humanos.
Mas ainda temos um longo caminho pela frente. Concordo com a antropóloga Marcia Thereza Couto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), num aspecto fundamental.
Ao ser perguntada, numa entrevista para o Uol, como a universidade pode acabar com a cultura do estupro, ela afirma que a escola tem não só o dever, mas o papel de inserir gênero no seu conteúdo curricular – desde o ensino fundamental e infantil até o ensino universitário.
E acrescenta que deixar a temática de gênero de fora dos currículos do ensino superior é uma espécie de terreno fértil para um mercado de trabalho com profissionais que perpetuem desigualdades e estereótipos.
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