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Regina Navarro Lins

Como impedimos nossos jovens de terem uma iniciação sexual saudável

Regina Navarro Lins

02/08/2016 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que respondeu à enquete da semana acredita haver uma idade adequada para os jovens iniciarem sua vida sexual

"A maioria dos adolescentes se inicia no sexo meio na esquina, meio escondidinho, meio apertadinho, e nunca mais sai desse apertadinho até o fim da vida". Essa frase, que ouvi do psicoterapeuta e escritor José Ângelo Gaiarsa, me fez lembrar do caso de uma paciente, e de como, na nossa cultura, é difícil haver um início saudável da vida sexual.

Joana, 48 anos, se recorda do que viveu há 30 anos quando namorava Eduardo, colega de faculdade. Sua mãe, Cleide chamou atenção para que nunca ficasse sozinha com o rapaz.

A mãe de Joana chegava do trabalho à tardinha e o irmão estava sempre na rua ou na escola. Joana aceitou as condições que Cleide impunha, e só via Edu no colégio. Mas a paixão entre os dois criava iniciativas que os pudessem aproximar.

Eduardo usou a mesada para comprar um arranjo de rosas vermelhas. Queria demonstrar o seu fervoroso encanto por Joana. Levou pessoalmente até a casa da namoradinha. Ela o recebeu na porta. Aceitou as flores e o beijou nos lábios, depois se despediu alegando que estava na hora de sua mãe chegar. Estava mesmo. Cleide viu o rapaz dobrando a esquina. Subiu no elevador imaginando a filha com ele na casa vazia.

Entrou no apartamento gritando por Joana. Não houve discussão, e sim um exaltado discurso em nome da moral, do que os vizinhos iriam pensar, de como uma moça deveria se comportar. O embasbacado torpor de Joana a fez achar que a filha ignorava seus argumentos. Cleide não vacilou. Trancou-se no banheiro e abriu o gás, afirmando que se mataria. Só depois que a filha jurou que o fato não se repetiria e ameaçou chamar os vizinhos para arrombar a porta do banheiro, Cleide desistiu do que pretendia. Ou dizia pretender, nunca saberemos. O fato é que, infelizes, mãe e filha sofreram inutilmente em nome do preconceito e de um moralismo sem sentido.

Até o início do século 20, as moças iniciavam a vida sexual por volta dos 13, 14 anos ou até antes. Por questões econômicas ou de sobrevivência, geralmente por imposição da família, se casavam cedo e o objetivo do sexo era apenas gerar filhos. O prazer praticamente só existia para o homem. Por ser desnecessário à procriação, para a mulher não era nem cogitado. Ao contrário, a dor e o sofrimento faziam parte do sexo.

Na década de 1960, com o advento da pílula anticoncepcional, pela primeira vez na história da humanidade o sexo foi dissociado da procriação e passou a se relacionar intimamente com o prazer.

A profunda modificação fisiológica que ocorre na puberdade, com o aumento da produção de androgênios e estrogênios, prepara o corpo para a reprodução, intensificando o desejo sexual no homem e na mulher. A busca de sua satisfação é o caminho natural. Entretanto, o controle sobre o prazer continua a ser exercido.

Os rapazes são incentivados a ter logo a primeira experiência sexual, não importando com quem. A sociedade patriarcal exige deles essa prova de virilidade. Devem estar sempre dispostos, não recusar nenhuma oferta, e o mais importante, nunca falhar. A moça, ao contrário, dever reprimir seus impulsos sexuais, ocultar seus desejos, fingir que não se interessa muito pelo assunto.

Num discurso pseudo liberal, muitos pais passam às filhas uma dupla mensagem. São tantos conselhos e advertências, tantas proibições e alertas em relação aos perigos envolvidos, que em raros casos o sexo é vivido com tranquilidade e prazer.

"Não tenho nada contra você ter relações sexuais com seu namorado, desde que esteja certa de poder assumir as responsabilidades, de que é um namoro sério, de que tem certeza de que o ama, de que ele não a esteja usando, e se o namoro terminar você não vai ficar mal, que não vai se arrepender…", disse a mãe para a filha de 17 anos.

Alguém, mesmo aos 80 anos, pode ter tantas certezas? E aos 14, 17, ou 18? As mães de 40 anos atrás não tinham um discurso dúbio. Tudo era proibido mesmo. Facilitavam, assim, a opção das jovens quanto à própria vida sexual. Seus valores eram passados com clareza, sendo mais fácil percebê-los como ultrapassados.

Acredito que o jovem deve iniciar sua vida sexual quando desejar. Os pais e a sociedade devem cuidar para que isso ocorra da forma mais natural e prazerosa possível. A saúde mental e social das pessoas depende disso.
Certamente muitos casos de impotência, ejaculação precoce e ausência de orgasmo feminino seriam evitados, assim como diversos tipos de agressão sexual.

Um estudo publicado em 1975 nos Estados Unidos, feito em 400 sociedades pré-industriais, concluiu que, nas culturas não repressoras da atividade sexual de seus adolescentes, o índice de violência é mínimo.

Só mais um detalhe: o uso da pílula e da camisinha deveria fazer parte da educação, como o ato de tomar banho e de escovar os dentes.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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