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Regina Navarro Lins

Uma paixão complicada

Regina Navarro Lins

10/01/2015 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso da internauta que ama o marido, mas não para de pensar na sua melhor amiga. Sente medo de ir viver essa paixão e se arrepender, teme os preconceitos e prejudicar os filhos.

Acredito que podemos amar várias pessoas ao mesmo tempo. Não só filhos, irmãos e amigos, mas também aqueles com quem mantemos relacionamentos afetivo-sexuais. E podemos amar com a mesma intensidade, do mesmo jeito ou diferente. Acontece o tempo todo, mas ninguém gosta de admitir. A questão é que nos cobramos a rapidamente fazer uma opção, descartar uma pessoa em benefício da outra, embora essa atitude costume vir acompanhada de muitas dúvidas e conflitos.

Na história relatada acima há um complicador: o amor por outra mulher, alvo ainda de preconceitos. Embora muitos internautas tenham sugerido que o marido vai adorar ter as duas mulheres com ele, em nenhum momento constatamos que o triângulo amoroso está nos planos dela. Outros internautas afirmam que ela, por não conseguir parar de pensar na amiga, não ama o marido.

Estamos tão condicionados pelo mito do amor romântico, que aceitamos como verdade inquestionável o conjunto de ideais e expectativas construídas para reger esse tipo de amor. Ao fazer com que todos acreditem ser impossível amar duas pessoas ao mesmo tempo, o modelo de amor imposto na nossa cultura torna inquestionável a conclusão: "se ele ama outra é porque não me ama". É muito difícil encontrar alguém que admita que o amor pode ser vivido fora de uma relação fechada entre duas pessoas, apesar de muita gente viver na prática essa experiência.

O psicoterapeuta e escritor José Ângelo Gaiarsa afirma em seus livros que "somos por tradição sagrada tão miseráveis de sentimentos amorosos que havendo um já nos sentimos mais do que milionários, e renunciamos com demasiada facilidade a qualquer outro prêmio lotérico (do amor)". E essa ideia se desenvolveu a partir da crença de que somente através da relação amorosa estável com uma única pessoa é que vamos nos sentir completos e livres da sensação de desamparo. Não é à toa que exigimos que o outro seja tudo para nós e nos esforçamos para ser tudo para ele. Mesmo à custa do empobrecimento da nossa própria vida.

Voltando à questão da paixão que a internauta relata sentir pela amiga, a antropóloga Margareth Mead declarou: "Acho que chegou o tempo em que devemos reconhecer a bissexualidade como uma forma normal de comportamento humano. É importante mudar atitudes tradicionais em relação ao homossexualismo, mas realmente não deveremos conseguir retirar a carapaça de nossas crenças culturais sobre escolha sexual se não admitirmos a capacidade bem documentada (atestada no correr dos tempos) de o ser humano amar pessoas de ambos os sexos."

E Marjorie Garber, professora da Universidade de Harvard, que elaborou um profundo estudo sobre o tema compara a afirmação de que os seres humanos são heterossexuais ou homossexuais às crenças de antigamente, como: o mundo é plano, o sol gira ao redor da terra. E pergunta: "Será que a bissexualidade é um 'terceiro tipo' de identidade sexual, entre a homossexualidade e a heterossexualidade — ou além dessas duas categorias? Ou será que é uma coisa que, de cara, põe em questão o próprio conceito de identidade sexual? Por que, em vez de hétero, homo, auto, pan e bissexualidade, não dizemos simplesmente 'sexualidade'? E será que a bissexualidade não tem algo fundamental a nos ensinar sobre a natureza do erotismo humano?"

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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