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Regina Navarro Lins

Alívio na separação

Regina Navarro Lins

19/08/2014 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que responderam à enquete da semana acredita que uma separação pode causar grande alívio. Relato a seguir a história de Lara, que é um ótimo exemplo disso.

Ela, uma atriz de 30 anos, estava casada há cinco com Afonso. Desde que o primeiro filho nasceu, parou de trabalhar para se dedicar a ele e ao outro, que veio logo depois. Engordou 15 quilos e passou a encontrar nas realizações do marido, cantor e compositor, as suas próprias. Uma noite, quando preparava os enfeites para a festa do primeiro aniversário do filho mais novo, Afonso a convidou para jantar num restaurante. Com muita franqueza colocou-a a par do que estava acontecendo. Apaixonou-se por uma moça que conhecera num dos shows fora da cidade e a partir daquele momento iria morar com ela. Reafirmou seu carinho e amizade, mas a decisão era irreversível.

Passados seis meses, Lara resume assim sua experiência: "Foi terrível. Quando ele me convidou para jantar, fiquei feliz. Não fazíamos isso há muito tempo e achei que talvez estivéssemos voltando aos bons tempos do início. Quando ele começou a falar, eu tinha acabado de colocar um pedaço de peixe na boca e não conseguia engolir. Acho que fiquei três dias com a espinha entalada na garganta. Nas primeiras semanas sofri muito. Me senti a última das mulheres: gorda e abandonada. Aí, resolvi reagir.

A primeira providência foi fazer um regime. Perdi quase vinte quilos e fiquei linda. Procurei, então, todos os amigos e conhecidos do teatro e fiz novas amizades também. Consegui um papel numa peça que estreia mês que vem. Minha vida mudou. Nunca fui tão paquerada e nunca tive tantos namorados. Até orgasmos múltiplos experimentei pela primeira vez. O sexo com Afonso estava morno, a gente quase nunca transava. Olha, não dá nem pra comparar minha vida hoje com o que era quando eu estava casada. Se o Afonso soubesse o quanto lhe agradeço a proposta de separação! Acho que nunca partiria de mim, e eu ainda estaria naquela pasmaceira toda."

A ideia de felicidade através do amor no casamento influi na intensidade da dor na separação. Antes da Revolução Industrial as famílias eram extensas — pai, mãe, filhos, primos, tios, avós — e as exigências emocionais eram divididas por todos os membros que viviam juntos. A família nuclear (pai, mãe e filhos), que caracteriza a época contemporânea, reduz a troca afetiva a um número pequeno de pessoas, favorecendo a simbiose e sobrecarregando marido e mulher como depositários das projeções e exigências afetivas do outro.

Entretanto, nem todos se desesperam quando o vínculo conjugal se rompe. Quando um dos parceiros comunica ao outro que quer se separar, aquele que de alguma forma não deseja isso pode sofrer num primeiro momento e pouco depois sentir que lucrou bastante com o fim do casamento. A aquisição de uma nova identidade — agora não mais vinculada ao ex-marido — pode proporcionar uma sensação de renascimento.

O psicólogo italiano Edoardo Giusti, após quatro anos de pesquisas e estudos acerca da separação de casais, afirma que é certamente uma novidade para nossa cultura, centrada no sacrifício e na abnegação, poder evidenciar o alívio muitas vezes sentido ao término de uma união. E até se identifica um certo entusiasmo quando uma separação é vivida como nova oportunidade de crescimento e de desenvolvimento pessoal.

Pesquisando as causas ou as circunstâncias principais que determinaram, em algumas pessoas uma vivência mais feliz durante a separação e em outras, uma vivência menos feliz, Giusti resume os numerosos dados levantados:

2014-08-19 tabela

Como vivemos numa época em que cada um busca desenvolver ao máximo suas possibilidades pessoais e sua individualidade, a dor da separação é, portanto, bem menor do que há 40 anos. "Nesse sentido, vê-se nas pessoas que se separam a partir da segunda metade do século 20, a consciência da necessidade de reconstruir sua identidade, de restabelecer novos propósitos de vida. Não cabe mais chorar tanto um casamento perdido porque ainda se tem a si mesmo como objeto a ser realizado e vivido.", diz a terapeuta de casal Purificacion Barcia Gomes.

Após uma separação o alívio é maior do que o sofrimento e pode haver uma forte sensação de estar renascendo se havia qualquer tipo de opressão no casamento e/ou se na relação que acabou já não havia mais desejo. Mas outros ingredientes importantes são: atividade profissional prazerosa, vida social interessante, amigos de verdade, liberdade sexual para novas experiências e, principalmente, autonomia, ou seja, não se submeter a ideia de que estar só é sinônimo de solidão ou desamparo.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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