Sexo: vergonha, culpa e frustração
Comentando o "Se eu fosse você"
A questão da semana é o caso da mulher que foi abandonada pelo marido. Chorou muito, mas agora conheceu um homem que se interessa por ela. Sente desejo por ele, mas tem medo que o sexo aconteça e ele passe a desvalorizá-la. Teme também ficar mal falada e seus filhos sofrerem por isso.
Há quem acredite que hoje existe liberdade sexual. Que as pessoas buscam desenvolver ao máximo o prazer. Mas o sexo é ainda tão reprimido, tão cheio de tabus e preconceitos, que os sentimentos de vergonha e culpa fazem com que muitos se recriminem por suas atividades ou mesmo por seus desejos.
Desde cedo aprendemos que imagens do corpo humano nu, particularmente experimentando o prazer sexual, são obscenas. E mesmo quando se consegue rejeitar conscientemente todo esse moralismo, a mensagem negativa é absorvida sem que se perceba. E o sexo sendo visto como algo tão perigoso leva a maioria a renunciar à própria sexualidade, ficando quieta no seu canto. A questão é que nem sempre a repressão é bem sucedida, como no caso da internauta.
As antigas civilizações tinham atitudes bem diferentes diante da nudez e do sexo. Desconheciam o conceito de obscenidade, e as imagens dos órgãos sexuais masculinos e femininos eram encaradas com naturalidade. Muitos santuários espalhados pelo mundo mostram representações de vulvas e falos. Até o momento em que o culto ao falo se impôs, havia liberdade sexual e as deusas reinavam absolutas.
Entretanto, a partir daí, os princípios masculino e feminino se separaram. Na arte, na religião e na vida. O princípio fálico, ideologia da supremacia do homem, condicionou o modo de viver da humanidade e a sexualidade começou a tomar outro rumo.
Obcecados pela certeza da paternidade, os homens reprimiram de todas as formas a sexualidade feminina. Mais tarde, na Idade Média, o corpo humano foi condenado por conta do pecado original, e o anti-sexualismo se tornou um refrão obsessivo. Até o Renascimento, a condenação da sexualidade só iria crescer.
Por mais incrível que pareça, o hábito do banho também foi atacado, considerando-se que qualquer coisa que tornasse o corpo mais atraente era incentivo ao pecado. Havia quem acreditasse que a pureza do corpo e das vestes significava a impureza da alma. Os piolhos eram chamados de pérolas de Deus, e estar sempre coberto por eles era marca indispensável de santidade.
Os exemplos da falta de higiene como pré-requisito para a salvação da alma são muitos: um eremita religioso viveu 50 anos depois de ter se convertido e durante todo esse tempo recusou-se terminantemente a lavar o rosto e os pés. Uma freira ficou doente em consequência dos seus hábitos. Estava com 60 anos e, por princípio religioso, recusou-se durante grande parte da sua vida a lavar qualquer parte do seu corpo, com exceção dos dedos.
Na tradição judaico-cristã a relação sexual se justifica apenas para a procriação e só é apropriada dentro do casamento. Mas mesmo nele as proibições são muitas. Masturbação, sexo oral, sexo anal, sexo vaginal usando qualquer tipo de anticoncepcional, são pecaminosos por serem considerados antinaturais.
Isso sem falar no tormento provocado por outras situações também comuns, como o desejo sexual por outras pessoas que não os próprios cônjuges e por pessoas do mesmo sexo. A impressão é a de que temos um gatilho de culpa pronto para disparar e nos atingir à menor provocação. É claro que a consequência dessa visão tão distorcida do corpo humano é dramática: o grande número de pessoas frustradas e insatisfeitas
Contudo, estamos vivendo um momento de transição, em que os antigos valores estão sendo questionados, mas novas formas de viver e pensar ainda causam medo pelo desconhecido. Há os que sofrem por se sentir impotentes para fazer escolhas livres, mas o fim de muitos tabus a respeito do sexo é só uma questão de tempo.
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