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Regina Navarro Lins

E assim se constrói o machão...

Regina Navarro Lins

19/04/2014 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso do homem, que aos 12 anos o pai o obrigava a espiar a prima tomando banho para se excitar, provando que era macho. Os valores estão mudando, e cada vez mais homens se libertam da exigência de ter que provar o tempo todo que são machos.

Mas será que algum dia haverá realmente igualdade de direitos entre os sexos? Acredito que sim, mas ainda temos um longo caminho pela frente. A masculinidade é uma ideologia que justifica a dominação exercida pelo homem. Ela é ensinada e construída, portanto, pode ser diferente em cada época e lugar.

O menino nasce de uma mulher. A mãe o amamenta, cuida dele, lhe dá carinho. Ele, por isso, sente-se gratificado na condição de bebê, totalmente dependente dela. Essa relação com a mãe vai deixar uma marca profunda em seu psiquismo. No início da vida conhece o prazer dessa dependência passiva, mas durante toda a sua existência terá que lutar contra o desejo de retornar a essa condição.

Para tornar-se "homem" é preciso se diferenciar da mãe, reprimindo profundamente o forte vínculo com ela, junto com o prazer da passividade. É uma luta contínua, onde deve estar sempre alerta. Isso não acontece com a menina. Para ela é mais fácil, já que a relação inicial com a mãe é a base da identificação com seu próprio sexo.

Numa sociedade patriarcal, para ter um comportamento classificado como masculino o homem utiliza muitas manobras defensivas. Geralmente o menino se defende temendo as mulheres e também repudiando em si próprio qualquer aspecto considerado feminino como ternura e passividade.

Por conta de todos os seus temores, encontramos um comportamento padrão na maioria dos meninos que se transformam em homens: são brutos, barulhentos, brigões, depreciam as mulheres ridicularizando suas atividades, privilegiam amizades com outros homens, mas odeiam homossexuais.

O sistema patriarcal utiliza métodos variados para transformar um menino em "homem de verdade", mas essa identidade masculina é adquirida com grande esforço. Para a menina é mais simples porque a menstruação, que surge no início da adolescência, não deixa dúvidas de que pode ter filhos, fundamentando naturalmente sua identidade feminina. Nesse momento ela passa de menina a mulher. No homem, ao contrário, um processo educativo, muitas vezes traumático, deve substituir a natureza.

Pela atividade sexual que desempenha o homem toma consciência de sua identidade e virilidade. É considerado homem quando seu pênis fica ereto e "come" uma mulher. E isso deve acontecer o mais cedo possível. De maneira explícita ou não é pressionado pelos amigos ou pelo próprio pai.

No Ocidente, onde os rituais de iniciação não são claramente definidos, a masculinidade necessita ser provada durante toda a vida de um homem, sempre havendo o risco de se ver diminuído ao nível de condição feminina. Para corresponder ao ideal masculino da nossa cultura o homem tem que rejeitar uma parte de si mesmo, lutando para não se entregar à passividade e à fraqueza.

O modelo do homem masculino ideal manteve-se imutável durante um longo período da História. Dois americanos tornaram-se famosos ao enunciar quatro imperativos da masculinidade sob a forma de slogans:

1°: No sissy stuff (nada de fricotes) — Mesmo sabendo que homens e mulheres têm as mesmas necessidades afetivas, o estereótipo masculino impõe ao homem a mutilação parcial do seu lado humano. Um homem de verdade é isento de toda feminilidade, portanto, ele deve abandonar uma parte de si mesmo.

2°: The big wheel (uma pessoa importante) — Seria o verdadeiro macho. Há uma exigência de superioridade em relação aos outros. A masculinidade é medida pelo sucesso, poder e admiração que provoca.

3°: The sturdy oak (o carvalho sólido) — O macho deve ser independente e só contar consigo mesmo. Jamais manifestar emoção ou dependência, sinais femininos de fraqueza.

4°: Give'em hell (mande todos para o inferno) — Obrigação de ser mais forte que os outros, nem que seja pela violência. Sua aparência deve ser de audácia e agressividade, estando sempre pronto a correr todos os riscos, mesmo que a razão ou o medo lhe aconselhem o contrário.

Contudo, em várias partes do mundo os homens já demonstram insatisfação em ter que corresponder ao que deles se espera, e discutem cada vez mais a desconstrução do masculino. John Lennon deu a sua contribuição para a mudança de mentalidade quando, há algumas décadas, declarou: "Gosto que se saiba que, sim, cuido do bebê e faço pão, que eu era dono de casa e me orgulho disso."

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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