"Minha namorada está insatisfeita, porque não a toco fora do sexo"

Ilustração: Caio Borges
"Minha namorada se queixa, diz que não sou carinhoso, que só a toco na hora de transar e, que mesmo assim, é pouco. Por isso, se sente insatisfeita no sexo. A nossa última conversa foi tensa; ela afirmou, como nunca tinha feito antes, que nossa relação pode acabar por causa desse meu jeito de ser. Não sei bem como agir; na minha casa nunca houve carinho físico. Não me lembro de meu pais me abraçarem ou beijarem. Só sei que não gostaria que nossa relação acabasse, afinal, amo muito a minha namorada."
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Tudo indica que entre a maioria das pessoas existe uma carência profunda daquilo que mais desejamos: tocar, abraçar, acariciar. E isso vem desde muito cedo. A pele, o maior órgão do corpo, até há pouco foi negligenciada. Ashley Montagu, um especialista americano em fisiologia e anatomia humana, se dedicou, por várias décadas, ao estudo de como a experiência tátil, ou sua ausência, afeta o desenvolvimento do comportamento humano.
A linguagem dos sentidos, na qual podemos ser todos socializados, é capaz de ampliar nossa valorização do outro e do mundo em que vivemos, e de aprofundar nossa compreensão em relação a eles. Tocar, que é o título de seu excelente livro, em que se baseia este texto, é a principal dessas linguagens. Afinal, como ele diz, nosso corpo é o maior playground do universo, com mais de 600 mil pontos sensíveis na pele.
O sexo tem sido considerado a mais completa forma de toque. Em seu mais profundo sentido, o tato é a verdadeira linguagem do sexo. É principalmente através da estimulação da pele que tanto o homem quanto a mulher chegam ao orgasmo, que será tanto melhor quanto mais amplo for o contexto pessoal e tátil.
Um ditado francês diz que uma relação sexual é a harmonia de duas almas e o contato de duas epidermes. E por sermos criação contínua neurologicamente e podermos combinar nossa capacidade de movimento e contato com a nossa sensibilidade de pele, é possível ficar muito tempo acariciando alguém sem repetir nunca a mesma sensação. Montagu acredita que a estimulação tátil é uma necessidade primária e universal. Ela deve ser satisfeita para que se desenvolva um ser humano saudável, capaz de amar, trabalhar, brincar e pensar de modo crítico e livre de preconceitos.