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Regina Navarro Lins

Inseguranças provocadas na vida a dois

Regina Navarro Lins

27/12/2014 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso da internauta que sente o marido sempre competindo com ela. Não sente amizade nem cumplicidade na relação. Sente muitas vezes que ele se incomoda com sua empolgação, quando parece que vai se dar bem em alguma ideia que teve.

Em muitos relacionamentos observamos um comportamento que podemos chamar de terrorismo íntimo. Alguns exemplos são esclarecedores.

Júlia fez uma severa dieta para perder os quilos excessivos. Estava feliz se sentindo bonita, até Gustavo, seu marido, lhe dizer delicadamente: "Se não fossem as suas estrias, você seria uma gata."

Paulo ia fazer uma exposição oral para ser aprovado num concurso. Era a última etapa. Antes de sair de casa, Mara, sua mulher, lhe disse carinhosamente: "Estou torcendo por você… só fico preocupada porque você nunca consegue se expressar bem."

Exemplos de "derrubadas" assim não são raros. Há casais em que os ressentimentos dominam a relação, e eles não são capazes de se unir nem de se separar. Encontramos com frequência relações amorosas em que há luta pelo poder. Muitas vezes, o poder, que se mascara como amor, assume um papel bem importante na união de duas pessoas. "Estou fazendo isso para o seu bem.", é uma frase que pode significar justamente o contrário.

O psicoterapeuta americano Michael Miller, estudioso do tema, diz que se observam em relacionamentos com essa característica duas pessoas preocupadas em atacar a segurança ou a autonomia uma da outra, provocando recíproca ansiedade.

Apesar de nenhuma delas estar preparada para abrir mão do relacionamento, cada uma tem como objetivo tomar o controle dele. Em sua busca de poder na relação atacam-se os pontos mais vulneráveis do parceiro (a).

Usam-se ameaças, alimentam-se o medo e a dúvida, de forma a paralisar a vontade do seu oponente. Cada troca de palavras sugere um significado diferente do que apresenta na superfície porque praticamente cada coisa pode ser utilizada para prolongar a batalha pelo controle.

Alguns casais vivem assim quase o tempo todo. Muitos deles passam a vida juntos, frios um com o outro, sem comunicação, talvez com frequentes explosões – como duas pessoas que se esforçam para evitar brigas "por causa das crianças" ou para não escandalizar os vizinhos, mas, acima de tudo, para manter o casamento mais ou menos intacto. Quando falam de separação, é mais uma tática de intimidação do que a de real intenção de se afastarem.

Falam de várias coisas, mas todos os tópicos estão contaminados pela luta pelo poder que impele a ambos. Cada um se sente roubado e tenta controlar o outro de modos diferentes: ela reclama por mais intimidade; ele exige mais liberdade, por exemplo.

No terrorismo íntimo, ninguém sai vencedor. Os dois ficam ricocheteando as mútuas ansiedades, cada um aumentando a sua no processo. As precedentes táticas de terror são, em sua maior parte, relativamente polidas, as que usualmente mantêm a luta dentro dos limites do decoro. Mas nem sempre isso ocorre – se a frustração de um casal esquentar suficientemente pode fazê-los começar a atirar coisas um no outro.

Na realidade, amor e poder nunca vão funcionar bem juntos. Não é novidade que toda relação íntima deve levar em conta as necessidades de cada uma das partes, tanto para o estar junto como para a autonomia.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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