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Regina Navarro Lins

O ciúme que prejudica

Regina Navarro Lins

15/10/2016 10h22

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso da internauta, que terminou um namoro intenso há nove anos por causa do ciúme e das brigas constantes. Ela está casada há seis anos, mas diz nunca ter esquecido o antigo namorado. Agora, ele reapareceu dizendo que a ama. Ela está sem saber o que fazer.

A internauta, por relatar o conflito que está vivendo, foi muito atacada nos comentários do blog por alguns internautas: sem vergonha, safada… É inacreditável a reação dos intolerantes e preconceituosos, como se desejos e dúvidas não fizessem parte da vida de todos.

Sentir desejo por outra pessoa que não seja o parceiro fixo, a maioria sente. Se vai ou não viver essa experiência depende da visão que cada um tem do amor, do sexo e do casamento.

Gostaria de tratar hoje do ciúme que, pelo relato da internauta, impediu a continuidade da sua relação com o namorado de nove anos atrás.

Na fusão com a mãe no útero, experimentamos a sensação de plenitude, bruscamente interrompida com o nascimento. A partir daí, o anseio amoroso parece ser o de recuperar a harmonia perdida. A criança, então, dirige intensamente para a mãe sua busca de aconchego.

A maioria das pessoas resolve bem as questões práticas da vida, mas não consegue ficar sozinha. Reeditando a mesma forma primária de vínculo com a mãe, o antigo medo infantil de ser abandonado reaparece.

Se o amor é a solução de todos os problemas e se o convívio amoroso é a única forma de atenuar o desamparo, a pessoa amada se torna imprescindível. Não se pode correr o risco de perdê-la. O controle, a possessividade e o ciúme passam, então, a fazer parte do amor.

O ciúme envolve uma espécie de ansiedade de abandono. Para superar os crescentes sentimentos de impotência, o ciumento se esforça por sufocar o outro. Seus interrogatórios e pedidos de garantia de fidelidade fazem parte das tentativas de controle.

Existem pessoas que preferem abrir mão da própria liberdade, desde que seja um bom argumento para controlar a liberdade do parceiro. O ciúme, independente da forma como se apresente — discreto ou exagerado — é sempre tirano e limitador. Não só para quem ele é dirigido, mas também para quem o sente.

Paul Mullen, da Universidade de Otago, Nova Zelândia, documentou uma série de comportamentos violentos numa amostragem de 138 pacientes encaminhados à terapia devido ao ciúme.

E 57% da amostragem de pacientes ciumentos tinham histórico de atos de violência conjugal. A maioria parecia ter a intenção de causar dano corporal.

Alguns atos de violência eram comuns, tais como empurrar, repelir com força, chutar, atirar objetos e destruir bens. Mulheres que buscam refúgio em abrigos para mulheres espancadas relatam quase invariavelmente que seus maridos fervem de ciúme.

Quem é inseguro, e não se acha possuidor de qualidades, tem uma imagem desvalorizada de si próprio. Por conta disso teme ser trocado por outro a qualquer momento; restringe a liberdade do parceiro e tenta controlar suas atitudes.

Só quem acredita ser uma pessoa importante não sente ciúme. Sabe que ninguém vai dispensá-lo com tanta facilidade. E se tiver desenvolvido a capacidade de ficar bem sozinho melhor ainda. Pode até sofrer em caso de separação, mas tem certeza de que vai continuar vivendo sem desmoronar.

Para haver chance de se viver a dois sem tantas limitações, homens e mulheres precisam efetuar grandes mudanças na maneira de pensar e de viver. Acredito que para uma relação a dois valer a pena, alguns fatores são primordiais:

—Total respeito ao outro e ao seu jeito de ser, suas ideias e suas escolhas.
—Nenhuma possessividade ou manifestação de ciúme que possa limitar a vida do parceiro.
—Poder ter amigos e programas em separado.
—Nenhum controle da vida sexual do parceiro, mesmo porque é um assunto que só diz respeito à própria pessoa.

Poucos concordam com essas ideias, na medida em que é comum se alimentar a fantasia de que só controlando o outro há a garantia de não ser abandonado.

Há até quem acredite que sem ciúme não existe amor. Essa é mais uma daquelas afirmações que as pessoas repetem, sem nem saber bem por quê.
Entretanto, penso que qualquer atitude ciumenta é um desrespeito à liberdade do outro.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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