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Regina Navarro Lins

Reflexões sobre a exclusividade sexual

Regina Navarro Lins

11/10/2016 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que respondeu à enquete da semana espera exclusividade sexual do parceiro desde o início do relacionamento.

De uma maneira geral, numa relação estável as cobranças de exclusividade são constantes e é natural sua aceitação. Severa vigilância é exercida sobre os parceiros.

Entretanto, todas as restrições impostas e aceitas com naturalidade ameaçam muito mais a relação do que a "infidelidade". Reprimir os verdadeiros desejos não significa eliminá-los. Quando a fidelidade se traduz por concessão que se faz ao outro, o preço se torna muito alto e pode inviabilizar a relação.

A escritora uruguaia Carmen Posadas diz "A paixão é possessiva, exclusiva. Possui e retém. Mas como é impossível possuir o outro por completo inventaram a fidelidade, que no fim das contas é uma reciprocidade possessiva. Cada membro do casal compromete-se a ser fiel ao outro para não perdê-lo, para assegurar-se de que 'está atado e bem atado"

A exigência de exclusividade surgiu há aproximadamente 5 mil anos, com a propriedade privada. O homem ficou obcecado pela certeza de paternidade porque não admitia a ideia de deixar a herança para o filho de outro.

A fidelidade feminina era fundamental para ele. A partir de então, a esposa era sempre suspeita, uma adversária que requeria vigilância absoluta.

Temendo golpes baixos e traições, os homens lançaram mão de variadas estratégias: manter as mulheres confinadas em casa sem contato com outros homens, cinto de castidade e até a extirpação do clitóris para limitar as pulsões eróticas.

Puni-la severamente ou mesmo matá-la é considerado simplesmente o exercício de um direito. No Ocidente, muitas ainda são espancadas ou mortas por maridos ciumentos. O homem, por não haver prejuízo para sua linhagem, sempre teve o direito de infidelidade conjugal.

As pessoas exigem fidelidade porque na relação amorosa estável se cria uma situação de dependência emocional, sendo comum se depositar no outro a garantia de não ficar só. O medo da solidão e do desamparo leva ao controle.

O pesquisador Alfred Kinsey afirmou a respeito da fidelidade: "A preocupação da biografia e da ficção do mundo, em todas as épocas e em todas as culturas humanas, com as atividades não-conjugais de mulheres e homens casados, é evidência da universalidade dos desejos humanos nessas questões."

São conhecidos casos amorosos em todas as culturas, inclusive nas sociedades tribais, apontando para uma prevalência universal da infidelidade. A taxa de prevalência varia de cultura para cultura (alta na Suécia e baixa na China), mas os casos amorosos ocorrem em toda parte.

Há exemplos curiosos. Os mongo-nkundu, da África, acreditam que relações adúlteras do pai durante o período de gestação afetam o nascimento. Mas depois de encerrado esse período basta o pai adúltero não colocar a criança nos joelhos no mesmo dia em que cometeu tal ato. As mulheres da tribo assim ficam sabendo dos casos de infidelidade quando os maridos se recusam a pegar a criança no colo.

Alguns não concordam com a ideia de posse, que é a tônica da maioria das relações estáveis. Para eles a fidelidade está no sentimento recíproco que nutrem e nas razões que sustentam a própria vida a dois. Mas isso não tem nada a ver com ter ou não relações sexuais com outra pessoa.

Gostaria de finalizar este artigo com um trecho da entrevista de Robert Crumb, um dos maiores quadrinistas da história, ao jornal "O Globo", de 15 de novembro de 2011. Na maior parte do texto ele fala sobre seu trabalho, mas no final, responde a perguntas sobre fidelidade no seu casamento.

HÁ QUANTO TEMPO O SENHOR É CASADO COM ALINE?

Desde 1978. É um longo tempo. É claro que tivemos altos e baixos. Mas tem uma coisa que ajuda. Nós dois fomos infiéis nesse tempo, com alguns relacionamentos fora do casamento. Eu ainda tenho um relacionamento com outra mulher que vejo algumas vezes por ano. Aline não gosta, mas ela aceita.

ISSO É SÉRIO?

É sim. Ela também tem um relacionamento de 15 anos com um cara francês que mora na nossa cidade.

VOCÊS SÃO AMIGOS?

Não, mas o vejo algumas vezes na rua. Não sou ciumento. Nós dois somos humanos e não acreditamos na fidelidade absoluta. E também não queremos mentir um para o outro sobre isso. As pessoas mentem umas para as outras, elas perdem tempo e energia traindo e mentindo. Eu falei para a Aline logo que nós começamos a nos envolver que gostaria de viver com ela, mas não daria para ser fiel. Eu não consigo. Ela aceitou. Então, hoje eu tenho um relacionamento longo com uma outra mulher que vive nos EUA. Uma vez por ano, nós passamos umas semanas juntos.

MAS E O AMOR? O AMOR NÃO PODE LEVAR À FIDELIDADE?

Eu nem sei mais o que amor significa. Eu amo minha filha, amo meu neto. Mas você deve definir o amor como um tipo de sentimento egoísta por outra pessoa? Há egoísmo no amor. Só que não quero que minhas relações com mulheres sejam baseadas em egoísmo

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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