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Regina Navarro Lins

Cada vez menos mulheres se dispõem a ajustar sua imagem às exigências masculinas

Regina Navarro Lins

30/08/2016 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que respondeu à enquete da semana acredita que contos de fadas, como Cinderela, devem ser contados às crianças. Discordo, por considerar que essas histórias são prejudiciais às crianças.

O caso Lu, professora de inglês, 34 anos, talvez seja um bom exemplo de como os contos de fadas afetam muitas mulheres. Ela chegou ao meu consultório e foi logo dizendo: "Não tenho nada a ver com essas mulheres modernas, que têm que lutar pela sobrevivência e vivem sozinhas. Não aguento mais ter que arranjar dinheiro para pagar as contas. Estou buscando um homem que me proteja, cuide de mim e me sustente."

Isso não é novidade na História. As mulheres do século 19 deviam ser castas e submissas ao homem, ansiosas por serem protegidas por ele. A partir daí podemos entender melhor como as heroínas dos contos de fadas, no registro dos irmãos Grimm, desse período, fizeram tanto sucesso.

Elas foram se tornando passivas e assexuadas. Cinderela, Branca de Neve, A Bela Adormecida, modelos de heroínas românticas, que, ao contrário do que se poderia imaginar, no que diz respeito ao amor, ainda são muito parecidas com muitas mulheres de hoje.

Nesses contos de fadas, existem algumas mulheres que até fazem mágicas, mas a mensagem central não é a do poder feminino, e sim a da impotência da mulher. O homem, ao contrário, é poderoso. Não só dirige todo o reino, como também tem o poder mágico de despertar a heroína do sono profundo com um simples beijo.

Além da incompetência de lutar por si própria, comum às principais heroínas, Cinderela é enaltecida por ser explorada dia e noite, trabalhando sem reclamar e sem se rebelar contra as injustiças.

Padece e chora em silêncio. Seu comportamento sofrido, parte do treinamento para se tornar a esposa submissa ideal, é recompensado. Seu pé cabe direitinho no sapato e ela se casa com o príncipe.

No entanto, o mais grave nos contos de fadas é a ideia de que as mulheres só podem ser salvas da miséria ou melhorar de vida por meio da relação com um homem. As meninas vão aprendendo, então, a ter fantasias de salvamento, em vez de desenvolver suas próprias capacidades e talentos.

Para a historiadora americana Riane Eisler essas histórias incutem nas mentes das meninas um roteiro feminino no qual lhes ensinam a ver seus corpos como bens de comércio para segurança, felicidade — e, se conseguirem pegar não um sujeito comum, mas um príncipe —, status e riqueza.

Em última análise, Eisler acredita que a mensagem dos "inocentes" contos de fadas, como Cinderela, é que não somente as prostitutas, mas todas as mulheres devem negociar seu corpo com homens de muitos recursos.

Em vez de desenvolver suas próprias potencialidades e buscar relações onde haja uma troca afetivo-sexual, em nível de igualdade com o parceiro, muitas mulheres se limitam a continuar fazendo tudo para encontrar o príncipe encantado.

Mas as mentalidades estão mudando. Na Suécia, por exemplo, há uma tentativa de combater os estereótipos dos papéis sexuais. Uma pré-escola do distrito de Sodermalm, de Estocolmo, incorporou uma pedagogia sexualmente neutra que elimina completamente todas as referências consideradas masculinas e femininas.

Assim, as crianças poderão imaginar que possuem características consideradas masculinas e femininas. Isso tem como objetivo ampliar a perspectiva delas. Além disso, não há livros infantis tradicionais como Branca de Neve, Cinderela ou os contos de fadas clássicos.

Nas prateleiras há livros que lidam com duplas homossexuais, mães solteiras, filhos adotados e obras sobre "maneiras modernas de brincar". A diretora dá um exemplo concreto: "Quando as meninas estão brincando de casinha e o papel de mãe já foi pego por uma e elas começam a disputar. Então sugerimos duas ou três mães e assim por diante".

O resultado positivo de toda essa mudança é que, no Ocidente, cada vez menos mulheres, se dispõem a ajustar sua imagem às exigências e necessidades masculinas.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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