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Regina Navarro Lins

Medo da solidão faz com que as pessoas suportem casamentos insuportáveis

Regina Navarro Lins

28/06/2016 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que respondeu à enquete da semana acredita ser importante se esforçar para manter um casamento, mesmo que insatisfatório. Será?

Ainda não completou um século da entrada do amor no casamento. Foi a partir de 1940 que o matrimônio por amor passou a integrar as relações. Imaginava-se que assim todas as necessidades afetivas seriam satisfeitas. A união por amor resultaria num ser único, completo, insubstituível.

O problema é que na maioria das vezes isso não acontece. O otimismo e a esperança não deixam que as pessoas raciocinem, uma coisa é a emoção e outra a realidade do conjunto de regras que opera sobre o casamento.

A escritora americana Laura Kipnis critica o modelo de casamento atual, principalmente, quanto à ideia de que é necessário "trabalhar" a relação para que o casamento seja satisfatório. "Quando a monogamia vira trabalho, quando o desejo é organizado por contrato, com a contabilidade registrada e a fidelidade extraída como o trabalho dos empregados, com o casamento parecendo uma fábrica doméstica policiada por uma rígida disciplina de chão-de-fábrica planejada para manter as esposas, os maridos e os parceiros domésticos do mundo agrilhoados à maquinaria do status quo – será que é isso que realmente significa um 'bom relacionamento'?"

Por que aguentar um casamento insatisfatório? O sonho da estabilidade e o medo da solidão fazem com que as pessoas suportem o insuportável. Aos poucos os parceiros vão se tornando estranhos convivendo no mesmo ambiente. Por medo de se separar e se sentir só muitos, nesse caso, optam por não pensar na própria vida.

O historiador inglês Theodore Zeldin afirma que o medo da solidão assemelha-se a uma bola e uma corrente que, atados a um pé, restringem a ambição, são um obstáculo à vida plena, tal e qual a perseguição, a discriminação e a pobreza. Se a corrente não for quebrada, a liberdade continuará um pesadelo.

Segundo ele, a crença mais gasta, pronta para a lixeira, é que os casais não têm em quem confiar salvo neles próprios, o que é tão infundado quanto a crença de que a sociedade condena os indivíduos à solidão.

A oposição a essa análise tão clara é a histórica ilusão que o Amor Romântico propicia. A suposição de que um parceiro possa nos completar e assim possamos nos tornar uma única pessoa, ideia que impede que enxerguemos o óbvio: a solidão é uma das nossas características existenciais. Esse conflito com o real tem provocado casamentos insatisfatórios com duração cada vez menor.

Não há dúvidas de que um casamento pode ser ótimo, mas esse resultado depende principalmente de uma reformulação das expectativas a respeito da vida a dois. A ideia de fusão, de que todas as necessidades serão atendidas pelo parceiro, são passos em direção a profundas frustrações.

Ao iniciarmos um relacionamento é importante não idealizar o parceiro e percebê-lo do jeito como ele de fato é – com características que apreciamos e outras que não admiramos nem um pouco. Só assim fica mais fácil decidir se realmente desejamos permanecer ao seu lado.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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