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Regina Navarro Lins

Alguém para chamar de “meu”

Regina Navarro Lins

12/04/2016 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que respondeu à enquete da semana deseja encontrar alguém que lhe complete. A história abaixo ilustra bem essa busca incessante da "outra metade".

Lena, 28 anos, foi abandonada pelo noivo. Durante um mês, sofreu com a separação, a ponto de chorar todos os dias, mas na primeira semana do mês seguinte foi ao aniversário de uma amiga e conheceu Ronald, jovem americano trabalhando numa multinacional.

Conversaram bastante, com as dificuldades linguísticas de ambos, que lhes renderam boas risadas, e acabaram marcando um encontro. Ronald lhe explicou sutilezas do diálogo que a tradução havia perdido. Ela riu muito e ele a beijou. Naquela mesma noite foram para a cama.

O dia seguinte foi de planos, narrados ao telefone para Marta, sua melhor amiga. Lena estava apaixonada por Ronald. Ele era separado, mas, após o sexo maravilhoso, fizeram planos de passar juntos, quem sabe, o resto da vida.

Ela colou em Ronald. Todos os programas o incluíam. Agora sim, havia encontrado uma pessoa que a completou. No fim do ano, Ronald precisou passar seis meses nos Estados Unidos.

Contaria aos parentes o seu relacionamento sério com uma bela brasileira. A despedida no aeroporto foi emocionante. Hollywoodiana, mesmo. Lágrimas, acenos com o lenço colorido, olhar vago vendo o avião desaparecer no horizonte.

Durante duas semanas, Lena não quis saber de sair. Os convites de amigas para festas eram rejeitados em troca de ficar curtindo a saudade e falando com Ronald pelo skype.

Mas um sábado de sol derrotou o seu isolamento, e ela foi à praia em Ipanema com Marta. Lá, conheceu Alessandro, italiano, filho de brasileira. O rapaz se encantou por seu sorriso e deram as mãos para pular a onda. Um beijo surgiu, quase ocasional, mas ambos adoraram o contato afetivo e acabaram passando a noite juntos.

No café da manhã, no flat de Alessandro, Lena contou do seu ex-namorado americano, e de como o amor estava surgindo de verdade agora. Disse sentir que Alessandro a completava. Só não sabia o que dizer ao namorado que tinha até o dia anterior. O italiano informou que os americanos eram muito bobos com essas coisas de namoro.

Bastava ela mudar o e-mail e o número do telefone, após uma última mensagem, quando anunciaria alguma razão fortíssima para não mais se falarem. Ele a ajudaria na criação do texto. Lena aceitou, afinal, não é todo o dia que o verdadeiro amor bate à nossa porta.

O que aconteceu? Afinal, Lena ama Alessandro? Então, não amava Ronald? Nada disso. Lena ama o fato de amar, ama estar amando. Apaixona-se pela paixão. E não é um caso raro.

Quase todas as pessoas na nossa cultura estão aprisionadas ao mito do amor romântico e pela ideia de que só é possível haver felicidade se existir um grande amor. Principalmente as mulheres. Mesmo tendo vários interesses na vida e parecendo feliz, a mulher, quando está sozinha, sempre se pergunta se essa felicidade é real.

Não importa muito se a relação amorosa é limitadora ou tediosa. Qualquer coisa é melhor do que ficar sozinha. Fundamental é ter um homem ao lado, o resto se constrói — ou se inventa. Busca-se, portanto, desesperadamente, o amor. Acredita-se tanto nisso que a sua ausência abala profundamente a autoestima de uma pessoa e faz com que se sinta desvalorizada.

Amor, casamento e sexo são construções sociais. Em cada época se apresentam de uma forma. No momento, ainda somos regidos pelo mito do amor romântico.
Esse tipo de amor, calcado na idealização do parceiro, prega a fusão entre os amantes e a ideia de que duas pessoas se completam totalmente, nada mais lhes faltando.

Desde que nascemos somos condicionados a desejar viver o amor romântico, com o seu ideal de complementação total com o outro. No entanto, quando alguém alcança um estágio de desenvolvimento pessoal em que descobre o prazer de estar sozinho, se dá conta de uma profunda mudança interna.

Preservar a própria individualidade passa a ser fundamental, e a ideia básica de fusão do amor romântico, em que os dois se tornam um só, deixa de ser atraente.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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