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Regina Navarro Lins

4% dos homens gostam de se vestir de mulher; assumidos ou não

Regina Navarro Lins

17/10/2015 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso é o caso do internauta que é casado, tem duas filhas, sente tesão por mulheres, mas gosta de usar calcinha, sutiã e meias de seda. Ele não está sozinho. O relato abaixo me foi feito por um crossdresser.

"Meu nome é Carlos; sou advogado de uma empresa importante em São Paulo até o entardecer das sextas-feiras. Nesses dias saio do escritório, tiro o terno e sou conhecido por Samantha.

Sou crossdresser e não homossexual. Meu prazer é me vestir como uma mulher, ou "montar-me", como dizemos. Somos cinco amigos que, após lenta e custosa operação nos transformamos, aparentemente, em mulheres.

Os primeiros impulsos de travestir-me surgiram na infância. As calcinhas de minha irmã, no box do banheiro, foram a isca. O atrativo daquela peça íntima, sempre mais enfeitada e alegre do que o seu correspondente masculino, foi o início.

Cada etapa chama a seguinte: calcinha, sutiã, uma sainha ou vestido, sapato alto, maquiagem, e, finalmente, a peruca.

Quando sou Samantha chamo ao advogado Carlos de meu alter-ego. Admito que o crossdresser (CD, para os íntimos) carrega uma dupla personalidade. Samantha chega com força todas às sextas-feiras e quer ser vista e admirada.

Carlos, que Samantha chama de seu alter-ego, leva uma vida normal para os padrões burgueses. Casado há quinze anos, tem três filhos e diariamente vai da casa para o escritório, fazendo o percurso contrário no fim do dia.

Menos às sextas-feiras: aí é Samantha quem reina absoluta. Segundo estatísticas americanas, 4% dos homens são crossdressers, assumidos ou não."

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A internet veio contribuir para que os CDs se reconheçam em todo o mundo. Foi através dela que Carlos mostrou para a mulher que ele não era uma anomalia monstruosa, como ele próprio supunha.

A grande vitrine virtual fez com que Samantha encontrasse seus pares. Com quatro outros CDs, Carlos alugou um apartamento onde eles e os amigos podem, com tranquilidade, executar as alquimias do gênero.

Um dos raros especialistas no tema no país é o psiquiatra e psicoterapeuta paulista Ronaldo Pamplona, autor do livro Os Onze Sexos. Ele faz a seguinte formulação: "O corpo diz se é macho, o psiquismo se é masculino e o social se é homem. A integração e o funcionamento desses três aspectos transformará crianças em adultos saudáveis do ponto de vista sexual". A seguir, trecho da entrevista que Ronaldo Pamplona me concedeu, há alguns anos, em seu consultório em São Paulo.

— O que você entende por crossdressing?

— Acho interessante. É o mesmo que travesti, que é um termo francês, crossdresser é americano. Mas, a bem da verdade, para nossa definição, no Brasil o travesti é completamente diferente do crossdresser. Em meu livro só citei, em uma linha ou duas, que existiam travestis heterossexuais. Isto é, homens que se travestem, mas são hétero.

Depois tive três pacientes que, por conta do tema, me fizeram tomar contato com vários psicólogos que têm pacientes hétero que se travestem. Acabei tendo algum conhecimento a respeito disso. Tive um paciente, alto executivo de 50 anos, que havia sido casado e tem três filhos. Ele tinha essa necessidade desde pequeno. Achava que poderia ser a expressão de uma homossexualidade; foi atrás e percebeu que não tinha nada a ver com isso.

Ele então comprou um apartamento onde se travestia e ficava sozinho. Disse que isso lhe trazia uma sensação de paz profunda. A sua mulher descobriu, se separaram. Anos depois ele conheceu outra mulher e logo fez questão de que ela soubesse. Essa então aceitou a sua condição.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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