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Regina Navarro Lins

Sedução original

Regina Navarro Lins

01/08/2015 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso da internauta, que percebe que está levando uma cantada do vizinho por carta. Mas não sabe se fala com ele ou se deve esperá-lo tomar a iniciativa de forma clara.

A carta que ela recebeu contendo uma sedução inscreve-se numa tradição de séculos, e o expediente da entrega por engano também. Cartas anônimas atravessaram milênios e muitas se constituíram em livros. Há até um formato literário chamado "epistolar", para uma história ficcional ou não, narrada através de cartas.

Mas o que conta mesmo é a sedução conduzida pelas palavras. Afinal, o ato de seduzir é legítimo? No século 18, o sedutor profissional concebia planos, fingia emoções e desempenhava o seu papel com habilidade e dedicação, mas havia grande preocupação em ocultar os verdadeiros sentimentos. A sedução era um jogo em que o final feliz era o prazer, mesmo à custa do sofrimento do outro.

Nesse formato há os exemplos clássicos: D. Juan, que nunca existiu, porque é uma criação literária do escritor Tirso de Molina (1630), e Casanova (século 18), um aventureiro veneziano que dedicou sua vida a ganhar dinheiro com trapaças e levar mulheres casadas para a cama.

Os sedutores continuam atuando no século 21, usando as mais variadas estratégias. Entretanto, "o maior erro que podemos cometer é pensar que o outro nos seduziu: eu fui seduzido pelas minhas próprias imagens, que o outro foi apenas capaz de evocar", como nos lembra o psicólogo italiano Aldo Carotenuto.

Partindo desse raciocínio, a carta funcionaria como uma forma de lançar âncora sobre o alvo, escrever alguma bela frase que encontre abrigo no coração da moça. "Estamos diante de uma diferença fundamental entre o erotismo masculino e o feminino", afirmaria o sociólogo italiano Francesco Alberoni.
Para ele, o erotismo masculino é ativado pela forma do corpo, pela beleza física, pelo fascínio, pela capacidade de sedução.

Não pelo reconhecimento social, pelo poder. Se um homem pendura na parede do seu quarto uma foto de Marilyn Monroe nua, é porque ela é uma belíssima mulher nua. E se ele tiver de escolher entre fazer sexo com uma atriz famosa, mas feia, ou com uma deliciosa garota desconhecida, não terá dúvidas em escolher a segunda. A sua escolha é feita na base de critérios eróticos pessoais.

"Na mulher seria diferente: o erotismo profundamente influenciado pelo sucesso, pelo reconhecimento social, pelo aplauso, pela classificação no elenco da vida. O homem quer fazer sexo com uma mulher bonita e sensual. A mulher quer fazer sexo com um artista famoso, com um líder, com quem é amado pelas outras mulheres, com quem é respeitado pela sociedade.", diz Alberoni.

Entretanto, isso é fácil de entender, se lembrarmos que as mulheres, durante milênios, para se sentirem protegidas, aprenderam a erotizar a relação com o poderoso. A comprovação está em D. Juans contemporâneos, como o rei de Espanha Juan Carlos, por exemplo, que segundo a biógrafa da rainha Sofia, teve mais de 1500 amantes.

O escritor Georges Simenon, com bem menos poder de fogo do que o monarca espanhol, chegou também aos milhares de amantes que ele recebia numa casinha de seu jardim. Como diz o ditado: faz a cama e deita-te (literalmente) na cama!

Entre os seres humanos "normais" está vigente a norma da tecnologia na sedução. Os e-mails, blogs e aplicativos são os novos canais de comunicação para dizer "estou a fim de você", mas o domínio das palavras ainda é a base que sustenta tudo. Casanova hoje, certamente, enviaria um whatsapp convidando a menina para uma balada.

Contudo, o instrumento mais importante de sedução entre seres humanos, segundo a antropóloga Helen Fisher, é o olhar. Ele desperta uma parte primitiva do ser humano, provocando duas reações – aceitação ou rejeição. Olhar no olho do outro é uma prática de vários animais. Na verdade, é impossível ignorar o olhar de uma pessoa fixado em nós; isso exige uma reação. Podemos sorrir e começar a conversar; ou podemos olhar para o outro lado e nos afastar do local.

Mas primeiro levamos a mão até a orelha, ajeitamos a roupa, bocejamos, mexemos nos óculos ou realizamos qualquer outro movimento sem nenhum sentido – um "gesto de disfarce" – para aliviar a ansiedade, enquanto pensamos em como reagir a esse convite: se vamos embora ou se ficamos e aceitamos participar do jogo da sedução.

Helen Fisher conclui que talvez sejam os olhos – não o coração, os genitais ou o cérebro – que deem início ao romance, já que muitas vezes é a partir do olhar que ocorre o sorriso. Então, em caso de dúvida quanto à sedução por escrito, basta olhar nos olhos e comprovar as intenções do sedutor.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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