Topo

Regina Navarro Lins

A importância da virgindade

Regina Navarro Lins

28/04/2015 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que responderam à enquete não se importam com a virgindade. Pensando nessa questão, lembrei-me de Eleonora, uma psicóloga de 42 anos. Ela orgulha-se de ser moderna e da intimidade que tem com Taís, sua filha de 16 anos. Quando a jovem começou um namoro estável, procurou a mãe para falar que gostaria de ir a um ginecologista e tomar anticoncepcionais. "Não tenho nada contra você ter relações sexuais com seu namorado, desde que esteja certa de poder assumir essa responsabilidade, de que é um namoro sério, de que tenha certeza que o ama, tenha certeza de que ele não a esteja usando, que se o namoro terminar você não vai sofrer, que a camisinha não vai furar, que…", foi a resposta de Eleonora.

Alguém aos 80 anos pode ter tantas certezas? E aos 16? Eleonora diz que aceita que a filha transe com o namorado, mas na verdade não quer que a filha inicie sua vida sexual. Será que ela percebe isso? Penso então que as mães de 40 anos atrás eram menos prejudiciais nessa área. Não davam duplas mensagens. Tudo era considerado proibido mesmo e dessa forma facilitavam a opção das jovens quanto à própria vida sexual. Seus valores eram passados com clareza e assim era fácil percebê-los como ultrapassados.

É evidente que a virgindade feminina é cada vez menos valorizada, mas não chega a ser questão tão natural como muitos pensam. Parece que a mulher não teve muita sorte ao receber de saída um hímen, que, ao indicar que sua vida sexual ainda não começou, aumenta os preconceitos e as restrições à sua sexualidade. Por mais que as práticas adotadas em cada lugar sejam variadas, sempre a virgindade da mulher é mais importante do que a do homem e seu prazer muito mais controlado.

O homem também é controlado, mas para deixar de ser virgem e transar com o maior número possível de mulheres. Numa sociedade patriarcal, todos cobram isso dele. Portanto, é inadequado, no caso do homem, usar a expressão perda da virgindade. A primeira experiência sexual é considerada um ganho, principalmente por reforçar a sua condição de macho.

Na adolescência surge forte interesse sexual nos jovens. A moça é incentivada a ser bonita e atraente, mas recatada. Se quiser ser valorizada, deve ter sempre um ar de quem não se interessa muito por sexo. A repressão sexual de que todos somos vítimas estimula a culpa da menina pelo despertar da sexualidade. São tantos os conselhos e proibições, tantos alertas em relação aos perigos envolvidos, tantas certezas exigidas, que ela se torna insegura e medrosa, sendo muito difícil desenvolver uma sexualidade saudável. Sem contar o temor de ser rotulada de galinha e, por isso, desvalorizada.

Durante muito tempo o controle da sexualidade feminina teve a intenção de impedir o sexo antes do casamento. A perda da virgindade pode ser vivida como uma experiência sem importância ou dramatizada ao ponto da ostentação pública de lençóis nupciais manchados de sangue. O sistema patriarcal passou a exigir a virgindade das noivas quando se tornou fundamental persuadir as mulheres que qualquer relação fora do casamento era pecaminosa. O controle da sexualidade feminina tinha como propósito garantir que o filho daquela união seria efetivamente produto de ambos os parceiros, além do fato de que uma virgem era uma mercadoria valiosa.

Todas as prescrições bíblicas para proteger a virtude feminina na verdade visavam proteger os direitos de propriedade dos homens em relação às suas esposas e filhos. Um homem que fizesse sexo com uma moça solteira e virgem, se descoberto deveria ressarcir o pai da moça em dinheiro. Quando havia a exigência legal de que o homem desposasse a moça, o único objetivo era proteger a economia masculina. A jovem tornou-se mercadoria sem valor e não seria justo sobrecarregar o pai com ela, e o homem que causou a perda deveria adquiri-la.

Sexo e reprodução estavam intimamente ligados e havia no homem o pavor de assumir um filho que não fosse seu. Principalmente por causa da herança, claro. Só depois da pílula, na década de 60, foi possível tomar conhecimento de que havia outros fatores, até então ocultos, alimentando o tabu da virgindade.

Os preconceitos fazem os jovens repetir, sem saber por quê, os valores que herdaram. Não é raro ouvirmos rapazes de 18, 19 anos, dizer que preferem moças virgens para namorar, sem nem explicar o motivo. Quanto mais a mulher aceita que o prazer no sexo é natural e deve ser desenvolvido, mais o homem fica inseguro quanto a sua competência sexual.

Isso faz com que prefira mulheres inexperientes para nunca ser comparado a outros homens. Contudo, hoje, pelo menos nos grandes centros urbanos, a maioria dos homens aceita namorar e casar com moças que já tiveram experiências anteriores. Mas não é uma evolução masculina espontânea. Com a emancipação feminina os homens se viram forçados a isso.

Sem dúvida, com todas as transformações que ocorrem no mundo, o homem que valoriza a virgindade da mulher não conseguiu ainda se libertar dos valores de uma sociedade autoritária. Sua submissão o impede de enxergar o sexo como algo bom, natural, fazendo parte da vida, e encontrar na troca de prazer com sua parceira uma fonte para seu desenvolvimento pessoal.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

Blog Regina Navarro