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Regina Navarro Lins

Amor sob controle

Regina Navarro Lins

24/03/2015 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

A grande maioria das pessoas que responderam à enquete já se sentiu controlada pelo parceiro ou parceira. Sem dúvida, o controle do outro é um aspecto bastante comum de uma relação amorosa.

A propaganda a favor da ideia de que só é possível a realização afetiva através da relação amorosa fixa e estável com uma única pessoa é tão poderosa que a busca da "outra metade" se torna incessante e muitas vezes desesperada.

E quando surge um parceiro disposto a alimentar esse sonho, pronto: além de se inventar uma pessoa, atribuindo a ela características que geralmente não possui, se abdica facilmente de coisas importantes, imaginando que, agora, nada mais vai faltar.

E o mais grave: com o tempo passa a ser fundamental continuar tendo alguém ao lado, pagando-se qualquer preço para isso. Não ter um par significaria não estar inteiro, ou seja, totalmente desamparado. Mas de onde vem essa ideia?

Na fusão com a mãe no útero, experimentamos a sensação de plenitude, bruscamente interrompida com o nascimento. A partir daí, o anseio amoroso parece ser o de recuperar a harmonia perdida. A criança, então, dirige intensamente para a mãe sua busca de aconchego. É inegável que proposta do amor romântico é extremamente sedutora.

Que remédio melhor para o nosso desamparo do que a sensação de nos completarmos na relação com outra pessoa? Quem, além do ser amado, pode suprir nossas carências e nos tornar inteiros? Esse amor promete o encontro de almas e acena com a possibilidade de transformar dois num só, da mesma forma que na fusão original com a mãe.

Aprendemos desde cedo a considerar o amor romântico como única forma de amor. Na medida em que o amado é a única fonte de interesse, observamos algumas expectativas: não é possível amar duas pessoas ao mesmo tempo, quem ama não sente desejo sexual por mais ninguém, cada um terá todas as suas necessidades satisfeitas pelo outro.

Portanto, é "imprescindível" que todos encontrem um dia a "pessoa certa", sua alma gêmea. Para mantermos a fantasia de que o outro nos completa, exigimos que ele seja tudo para nós e nos esforçamos para ser tudo para ele. O mundo deixa de ter importância; não são poucos os que se afastam dos amigos e abrem mão de coisas importantes para agradar o outro.

O único problema é que tudo não passa de uma ilusão. Na realidade, ninguém completa ninguém. Mas, ignorando isso, reeditamos inconscientemente com o parceiro nossas necessidades infantis. O outro se torna tão indispensável para nossa sobrevivência emocional, que a possessividade e o cerceamento da liberdade sobrecarregam a relação, que se torna opressiva opor à nossa individualidade.

Não é à-toa que, tanto nos contos de fadas como nas novelas, o herói e a heroína só podem ficar juntos no último capítulo (exaustos após superar tantos obstáculos), que termina com "E foram felizes para sempre". São cristalizados naquele estado apaixonado porque é a única maneira de se garantir que assim ficarão para sempre. Como nenhuma dessas expectativas corresponde à realidade, em pouco tempo de relação as pessoas se decepcionam e se frustram.

A idealização do amor tem um custo. Não é verdade que "tudo o que você precisa é de amor". Precisamos também ter um espaço individual, amigos verdadeiros, investir na carreira, etc… Ao nos concentrarmos no amor, negligenciamos inevitavelmente outras paixões, o que torna nossa vida mais limitada.

De qualquer forma, é fundamental que homens e mulheres, se quiserem viver de forma mais satisfatória, reflitam sobre como se vive o amor na nossa cultura, principalmente no que diz respeito à dependência amorosa e possessividade.

Penso que para uma relação a dois valer a pena, alguns fatores primordiais: Total respeito ao outro e ao seu jeito de ser, suas ideias e suas escolhas. Nenhuma possessividade ou manifestação de ciúme que possa limitar a vida do parceiro (a) Poder ter amigos e programas em separado. Nenhum controle da vida sexual do parceiro (a), mesmo porque é um assunto que só diz respeito à própria pessoa.

Poucos concordam com essas ideias, na medida em que é comum se alimentar a fantasia de que só controlando o outro há a garantia de não ser abandonado. Não são poucos os que aceitam serem controlados pelos parceiros (as), desde que seja um motivo para poder controlá-los.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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