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Regina Navarro Lins

Aceitando as diferenças

Regina Navarro Lins

27/01/2015 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

 

Comentando a Pergunta da Semana

Quase todas as pessoas que responderam à enquete disseram haver algo que não aceitam de jeito nenhum numa relação amorosa. Lembrei-me então do caso de Cíntia, que atendi no consultório. Seu marido não admitia, em hipótese nenhuma, chegar em casa do trabalho e não encontrá-la lhe esperando.

Num fim de tarde, Cíntia foi visitar uma amiga, que não via há bastante tempo. Mas na medida em que o tempo ia passando ela começou a ficar desatenta à conversa, olhando o relógio a todo momento. Sua amiga perguntou então o que estava acontecendo. Cíntia explicou: "É que João chega em casa mais ou menos a essa hora. Se não estou lá, esperando por ele, encontro-o depois com um mau humor terrível. A noite sempre acaba em briga."

Provavelmente, João não reage dessa forma por esse único motivo. E também não sabemos onde e como sua mulher o controla. Mas o mais difícil de entender é porque as pessoas não percebem que os modelos tradicionais de relacionamento são insatisfatórios e causam sofrimento.

Por que se repetem tanto os mesmos padrões de comportamento? Pouca gente tem coragem de tentar novos caminhos. O desconhecido assusta, dá medo, mas apesar das frustrações quase todos recorrem ao que já é conhecido. No que diz respeito à vida a dois é o que quase sempre acontece.

Depois de algum tempo, na maioria das vezes, as relações estáveis — e aí tanto faz ser namorado ou casado, morar junto ou não —se tornam tediosas. São tantas regras a seguir, tantas concessões a fazer, que a vida vai ficando sem graça.

Quando observamos o silêncio absoluto de um casal na mesa de um restaurante, por exemplo, onde se percebe uma falta total de interesse um pelo outro, fica claro que já não têm mais nada para conversar. E nem percebem, de tão acostumados que estão. Agem como se fosse natural.

Até a década de 1960, era muito mais fácil a vida a dois. As expectativas sendo bem mais modestas, se sentir seguro e protegido dentro do lar era o que importava. As opções de lazer eram limitadas, não havia nem televisão, nem tolerância social para ousadias existenciais. Afinal, só desejamos o que conhecemos ou sabemos ser possível.

Hoje, ao contrário, os apelos são muitos. Há bastante para descobrir fora do espaço privado da família. Para cada área de interesse são oferecidas inúmeras atividades, e o mais perturbador: é possível conhecer várias pessoas diferentes.

Para haver chance de se viver a dois sem tantas limitações, homens e mulheres precisam efetuar grandes mudanças na maneira de ser e de pensar. Acredito que para uma relação a dois ser realmente satisfatória, alguns fatores são primordiais:

— Total respeito ao outro e ao seu jeito de ser, suas ideias e suas escolhas.
— Nenhuma possessividade ou manifestação de ciúme que possa limitar a vida do parceiro.
— Poder ter amigos e programas em separado.
— Nenhum controle de qualquer aspecto da vida do outro.

Poucos concordam com essas ideias, na medida em que é comum se alimentar a fantasia de que só controlando o outro há a garantia de não ser abandonado. Chegamos, então, a um ponto crucial: para haver uma relação amorosa satisfatória entre duas pessoas, elas têm que estar juntas somente pelo prazer da companhia, e não reproduzindo a mesma dependência emocional que tinham com a mãe quando eram crianças.

Para conseguir isso, acredito que o primeiro passo seja desenvolver a capacidade de viver bem sozinho. É descobrir o prazer da própria companhia.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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