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Regina Navarro Lins

A liberdade da mulher sob controle

Regina Navarro Lins

01/11/2014 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso da internauta que é casada, mas é livre para sair e viajar sozinha. Por isso é criticada por mulheres – parentes e amigas. Essas a acusam e dizem que vai trazer infelicidade para a família.

Às mulheres, durante cinco mil, anos foram negadas quase todas as experiências do mundo. Consideradas incompetentes e desinteressantes, ficaram relegadas ao espaço privado. Sua função deveria ser cuidar da casa, do marido e dos filhos.

A luta das mulheres para se livrar da submissão ao homem tem sido longa e árdua. O movimento feminista foi fundamental para a liberação da mulher e suas conquistas na sociedade. O feminismo não nasceu em 1968, mas os acontecimentos desse ano lhe dão um inegável impulso que perdura há vários anos.

O movimento feminista da década de 70, amparado no advento da pílula anticoncepcional, contribuiu para pôr fim à discriminação sexual. As escolas passaram a ser mistas, todas as profissões tornaram-se acessíveis às mulheres — Forças Armadas, policiais, motoristas de ônibus, jogadoras de futebol.

Os papéis sexuais se transformam profundamente, atenuando a distinção entre eles, trazendo em consequência o fim da guerra entre os sexos. Agora as mulheres podem escolher entre ser ou não mães. O controle da fecundidade da mulher pelo homem e a divisão de tarefas foram se tornando coisas do passado.

Mas nem todos aceitarem bem a emancipação da mulher. A reação esperada ao movimento feminista aconteceu na década de 80. A mídia divulgou alarmantes sinais de que as mulheres haviam perdido muito com sua revolta contra a histórica opressão masculina.

A revista Newsweek informou que o estresse atacava mulheres, que agora eram executivas de empresas. As mulheres solteiras e independentes estavam "deprimidas e confusas" devido à "falta de homens", disse o New York Times.

Uma terapeuta americana conclama os casais a não se separar, mesmo havendo insatisfação na vida a dois; outra americana prega em seu livro que as mulheres devem obedecer e ser submissas a seus maridos; jovens declaram não querer ter profissão, mas se realizarem como donas-de-casa; cantoras famosas defendem a virgindade feminina…

A Harper`s Bazar, revista de moda, opinou dizendo que o movimento feminista deu às mulheres mais perdas do que ganhos. Mas, a crítica mais curiosa que o movimento recebeu foi de Mona Charen, uma jovem estudante de Direito, que escreveu o seguinte: "O movimento feminista deu à minha geração altos rendimentos, os nossos próprios cigarros, a opção de ser mãe solteira, delegacias de mulheres e amor livre, mas retirou aquilo sobre o qual repousa a felicidade da maioria das mulheres: os homens".

Outro golpe na luta pela emancipação das mulheres foi o discurso de Lawrence Summers, presidente da Universidade de Harvard, EUA, em janeiro de 2005, sobre a sub-representação das mulheres nos departamentos de ciência e engenharia. Ele expressou de maneira enfática a ideia de que essa desigualdade persistente se baseia em diferenças inatas.

Summers foi obrigado a pedir desculpas e correu o risco de perder o cargo. Entretanto, foi um sinal claro de que a possível inaptidão das mulheres para o conhecimento científico é a nova arma da reação masculina contra o feminismo.

A relação entre homens e mulheres vem sendo subvertida, assim como a visão do amor, do casamento e do sexo. O mundo mudou muito mais da década de 60 para cá do que do período paleolítico até então. Entretanto, o processo de transformação das mentalidades não atinge todas as pessoas ao mesmo tempo e é por isso que nos deparamos com situações vividas pela internauta.

Não é difícil entender que modificar a maneira de viver e de pensar gera ansiedade. O novo, o desconhecido assusta. Entretanto, repetir o que é aprendido como verdade absoluta não é a solução. As mulheres, durante alguns milênios, foram cúmplices na perpetuação do sistema que as oprime, acreditando nessa inferioridade e transmitindo o mesmo sistema, através das gerações, aos filhos de ambos os sexos.

Apesar das críticas que tentam limitar os avanços do Movimento Feminista, ele se consolida cada vez mais nos países ocidentais. O caminho para uma igualdade entre homens e mulheres ainda é longo, mas as mudanças são irreversíveis. As novas gerações, filhos e filhas dos participantes da contestação dos anos 60 e 70, demonstram, de forma inequívoca, que nada será como antes.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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