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Regina Navarro Lins

Ausência de ciúme não é desamor

Regina Navarro Lins

28/10/2014 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

ILUSTRAÇÃO

 

Comentando a Pergunta da Semana

A maioria das pessoas que responderam à enquete da semana acredita que não sentir ciúme é falta de amor. A qualquer momento, inesperadamente, pode surgir o ciúme numa relação amorosa: na fase da conquista, no período da paixão, durante o namoro ou casamento e até mesmo depois de tudo terminado. Alguns o consideram como universal, inato. Outros, entre os quais me incluo, acreditam que sua origem é cultural, mas é tão valorizado, há tanto tempo, que passou a ser visto como parte da natureza humana.

A relação amorosa entre homens e mulheres sempre foi prejudicada pelo ciúme. Inicialmente o do homem estava ligado ao medo de falsificação da descendência — dar o próprio nome e criar um filho que não fosse seu. Esse temor serviu para justificar a extrema violência que as mulheres sofreram nas sociedades patriarcais. Para elas, que só podiam exprimir dedicação e obediência, esse sentimento era proibido de se manifestar, caso existisse.

A revolução sexual dos anos 60 irrompeu no Ocidente trazendo a separação definitiva entre sexo e reprodução e, consequentemente, a igualdade de condições entre homens e mulheres nessa área. No entanto, com toda a liberação, e ao contrário do que se poderia supor, o homem ficou mais ciumento e a mulher passou a expressar ciúme na mesma intensidade que ele.

Pesquisa feita nos Estados Unidos comprovou que nenhum dos sexos é mais ciumento que o outro — embora se comportem de maneira diferente. As mulheres em geral são mais propensas a fingir indiferença, enquanto os homens, com mais frequência terminam um relacionamento quando sentem ciúmes, acreditando que assim recuperam sua autoestima e reputação.

Mas por que o ciúme é aceito como fazendo parte do amor? Por que se defende a sua presença numa relação amorosa, mesmo sabendo que o preço a pagar é tão alto?

Encontramos ao menos parte da resposta na forma como o adulto aprendeu a viver o amor, que é em quase todos os aspectos semelhante à forma da relação amorosa vivida com a mãe pela criança pequena. Por se sentir constantemente ameaçada de perder esse amor — sem o qual perde o referencial na vida e também fica vulnerável à morte física — a criança se mostra controladora, possessiva e ciumenta, desejando a mãe só para si.

Esse risco, que é verdadeiro na infância, continua sendo alimentado por uma educação que não permite aos jovens se desligar da dependência emocional dos pais. Quando surge uma relação amorosa, eles passam de uma dependência para outra.

Agora, por conta de todo o condicionamento cultural, é através da pessoa amada que se tenta satisfazer as necessidades infantis. Reeditando a mesma forma primária de vínculo com a mãe, o antigo medo infantil de ser abandonado reaparece e a pessoa amada se torna imprescindível. Não se pode correr o risco de perdê-la. O controle, a possessividade e o ciúme passam, então, a fazer parte do amor.

Quando a pessoa consegue elaborar bem a dependência infantil e também se libertar da submissão aos valores morais, se percebe menos ciumenta. Ao mesmo tempo que deixa de considerar falta de amor se o parceiro (a) não manifesta ciúmes.

Caso contrário, é difícil ter autonomia suficiente e podem reaparecer as antigas inseguranças, com exigência de exclusividade no amor. Como são poucos os que se sentem autônomos, observa-se uma busca generalizada de vínculos amorosos que permitam aprisionar o outro, mesmo à custa da própria limitação.

A questão do ciúme também está ligada à imagem que cada um faz de si. Quem tem a autoestima elevada e se considera interessante e com muitos atrativos não supõe que será trocado com facilidade. E se a relação terminar, sabe que vai ficar triste e sentir saudade, mas também sabe que vai continuar vivendo sem desmoronar.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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