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Regina Navarro Lins

Os conquistadores

Regina Navarro Lins

18/10/2014 07h00

Ilustração: Lumi Mae

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

A questão da semana é o caso da internauta que é casada com um conquistador, um homem que não consegue deixar de seduzir mulheres a sua volta.

Um dos mais antigos e resistentes mitos da sexualidade é o conquistador. Conhecido por donjuanismo, em referência ao personagem Don Juan, identifica pessoas que se dedicam a manter o maior número possível de conquistas. As motivações variam de personagem e de época. As interpretações vão desde a vaidade e o colecionismo até problemas emocionais.

A principal oposição ao mito é a demonização empreendida pela religião ao sexo pelo sexo. Mas deve ser considerada a posição subalterna da mulher até recentemente, e o seu valor como patrimônio. O conquistador, nesse conceito, seria um abastado possuidor de bens vivos, como qualquer outro acumulador de riquezas. A revolução sexual e o movimento feminista, os novos tempos, enfim, fazem do Don Juan espécie em extinção.

Don Juan, mito originário da Espanha, narra a sedução da filha do comandante da guarnição militar de Sevilha. Após o ato infame, Don Juan mata, num duelo, o comandante e oferece banquete ao lado da estátua da vítima. O monumento de pedra adquire vida e arranca Don Juan da mesa lançando-o aos infernos.

A narrativa, de 1630, é atribuída a Tirso de Molina e recebeu o título original de El Burlador de Seville (O libertino de Sevilha). É forte seu apelo junto ao público e muitas são as versões desde o século 17. O seu interesse demonstra a força do argumento: herói tragicômico dedicado à sedução.

Ao lado de Don Juan, mas de comprovada existência, está Giacomo Girolano Casanova (1725-1768), veneziano aventureiro, foi criado pela avó e se tornou um arrivista buscando a ascensão social pela conquista de damas bem nascidas. Em vão. Morreu célebre e perseguido por clero e nobreza, que não viam nenhuma graça em suas estripulias sexuais.

Casanova registrou suas memórias em mais de mil páginas, documento precioso sobre as relações amorosas e sociais daquele século. O imaginário romântico se cristaliza no texto em descrições de passagens secretas e alcovas de damas infiéis ou duelos travados à primeira luz da manhã, quando a honra de noivos e maridos era defendida até a morte. "Sou suficientemente rico, de aparência imponente e agradável, jogador inveterado, mão aberta, amigo do discurso, mas sempre mordaz, nada modesto, intrépido, galanteador, hábil em suplantar rivais, só reconheço como boa companhia aquela que me diverte", se descreve.

Ele oscilou todo o tempo entre se tornar um cidadão respeitável ou se aprofundar na libertinagem. A avaliação que faz após uma conquista demonstra esse espírito: "Resolvi-me a fazer a felicidade de Cristina, sem, no entanto casar-me com ela. Tinha me vindo a ideia de desposá-la, quando a amava mais do que a mim próprio, mas após a satisfação do desejo a balança se inclinara a meu favor e meu amor próprio se tornara maior do que tudo".

Entre aventuras, Casanova expôs sua visão do mundo e da vida amorosa. "Se as mulheres tivessem igual fisionomia, caráter e espírito, não só os homens deixariam de ser inconstantes, como jamais se apaixonariam. Cada qual tomaria uma delas, indistintamente, e assim passaria o resto da vida. O tirano de nossa alma é a novidade. Bem sabemos que o que não vemos é mais ou menos o que já vimos. Mas continuamos em busca de algo inédito".

Casanova via o mundo como um parque de diversões onde o prazer está disponível: "O amor deve ser encarado como matéria de fantasia, adaptando-se às circunstancias e prestando-se de bom grado às combinações do acaso". Ou ainda: "Ninguém ignora que o amor, encorajado por tudo quanto o possa excitar, não se detém senão quando já satisfeito, e cada favor obtido nos impele a outro maior". Ele tinha mais prazer na sedução do que no próprio ato amoroso. A conquista para o sedutor se torna espécie de jogo.

Entretanto, alguns homens precisam de auxílio nas suas conquistas. A timidez ou a certeza de que uma dama pode ser o melhor caminho para se chegar até a outra, fizeram com que Shane Forbes criasse o site Wingwomen (mulheres asa).

Shane notou que ao chegar acompanhado em festas ou outros encontros sociais, acabava conhecendo mulheres. O negócio que criou funciona com jovens garotas, que chegam com o cliente no local escolhido por este. Após decidirem o alvo, a mulher-asa se aproxima, faz o contato e logo depois apresenta o cliente. A hora da wingwoman sai por U$50. O site de Forbes contratou dezenas de garotas bonitas e desinibidas, que fazem a ponte entre seus clientes e as mulheres que lhes interessam.

Contudo, o movimento feminista e a liberação sexual tornaram os conquistadores tipos meio ultrapassados. A ideia de machos colecionarem conquistas entrou em declínio. Eles não deixaram de existir, nem sucumbirão apenas por uma questão de moda. O que mudou é a propaganda que fazem disso. As conquistas estão abertas a todos: homens e mulheres, de todas as orientações sexuais.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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