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Regina Navarro Lins

Rancor na vida a dois

Regina Navarro Lins

17/08/2013 07h00

Casal brigando

Ilustração: Lumi Mae

Comentando o "Se eu fosse você"

Conversando sobre relacionamento amoroso com as cantoras Nana Caymmi e Elza Soares, perguntei a elas por que os casais brigam. Ouvi respostas bem diferentes.

Para Nana tudo acontece por causa dos problemas financeiros. As brigas todas, bebedeiras, são porque as pessoas gastam mais do que podem. "Para mim a relação vai para a cucuia, não é por falta de amor não. É por ter que pagar o aluguel e tudo mais. O dinheiro é primordial, é só ler o jornal e você não vê um barraco que não seja por dinheiro."

Elza já pensa diferente: "A coisa mais difícil na vida a dois é o banheiro. A toalha no chão também começa a complicar a cabeça…e aquelas roncadinhas estranhas… A gente acorda muito feia, tem que dormir maquiada. E de madrugada é bom ir até o banheiro e passar um batonzinho."

A questão da semana é o caso do casal que briga muito e na frente de outras pessoas. O marido pede ajuda para mudar essa situação, uma vez que não deseja se separar.

Uma das coisas mais desagradáveis que existem é conviver com um casal que briga, mas, juntos há muito tempo, não percebem o absurdo de se viver dessa forma. Quando saem com um grupo de amigos e praticamente não precisam se comunicar, ainda passa.

Mas quando só há mais uma ou duas pessoas e todos conversam juntos…Muitas vezes, na maioria dos casos, eles aproveitam justamente a presença dos outros para se agredirem, criando uma situação constrangedora. Mesmo que os ataques sejam sutis e disfarçados;

"Não conheço rancor pior que o matrimonial. A maior parte dos casamentos, durante a maior parte do tempo, são de precários a péssimos. A cara das pessoas nessa situação fica de uma feiúra moral que assusta. O clima em torno dos dois é literalmente irrespirável, sobretudo por acreditarem ambos que têm razão." afirma o psicoterapeuta e escritor José Ângelo Gaiarsa.

Para ele, o rancor matrimonial, acima de tudo amarra, pega você de qualquer jeito, te imobiliza, como se você tivesse caído numa teia de aranha. Quanto mais você se mexe, mais se amargura e raiva sente. Raiva — que faz brigar; mágoa — que faz chorar. A mistura das duas é o rancor, um ficar balançando muito e muito tempo entre o homicídio e o suicídio. E cometendo ambos ao mesmo tempo.

A primeira pergunta que nos vem à mente é: por que não se separam? Não se separam porque dependem um do outro emocionalmente, precisam do parceiro para não se sentirem sozinhos e, principalmente, para que seja o depositário de suas limitações, fracassos, frustrações e também para responsabilizá-lo pela vida tediosa e sem graça que levam. Quanto maior a defasagem entre a expectativa que tinham do casamento e a impossibilidade de concretizá-la, piores são as brigas.

Aquela ideia de que, ao casar, se tornariam um só, com todas as necessidades satisfeitas, já foi abandonada há muito tempo. O que restou foi um profundo rancor matrimonial, exercitado no dia-a-dia. Virginia Sapir, uma terapeuta de família conhecida no mundo todo, afirma que o sentimento mais comum entre os casais é o desprezo recíproco. Quanto a isso penso não haver dúvida. Parece que se despreza o outro por ter falhado na sua principal função: tornar a vida do parceiro plena e interessante.

O longo tempo de convívio pode transformar os dois ou então tornar cada um mais preso a seu próprio jeito e hábitos. Isso para se defender das cobranças, vindas do outro, para que se modifique. A consequência é um deles se tornar mais rígido, impedido de se desenvolver.

Gaiarsa, com sua prática clínica de mais de 50 anos, acrescenta: "Esse rancor matrimonial é a coisa mais peçonhenta, amarga, azeda e torturante de que tenho notícia ou experiência. Sim, experiência — terrível. Quem não a tem vez por outra? Mas quando ela dura muitos meses — até muitos anos — é, na certa, o pior veneno que se pode imaginar".

Para solucionar essa questão crônica de muitos casamentos, só vejo duas saídas: ou as pessoas desistem de ter relações estáveis e duradouras, ou descobrem uma forma de se tornar inteiras e poder se relacionar com o outro pelo prazer de estar perto, não atribuindo a ele o que não lhe diz respeito.

Sobre a autora

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 12 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, “O Livro do Amor” e "Novas Formas de Amar". Atende em consultório particular há 45 anos e realiza palestras por todo o Brasil. É consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e apresenta o quadro semanal Sexo em Pauta, no programa Em Pauta, da Globonews. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.

Sobre o blog

A proposta deste espaço interativo é estimular a reflexão sobre formas de viver o amor e o sexo, dando uma contribuição para a mudança das mentalidades, pois acreditamos que, ao se livrarem dos preconceitos, as pessoas vivem com mais satisfação.

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